“Piá, é a primeira vez que venho nesse cinema”, diz um amigo para o outro. A dupla da fila I, cadeiras 13 e 14, já terminava a pipoca, distribuída gratuitamente em saquinhos quase dourados em que se lia: “Cinépolis VIP”. Antes da porta, um alerta: “Por favor, não entre com alimentos de fora. Nosso pessoal está pronto para oferecer produtos diferenciados”.
Filmes dispensam salas com firulas
Crítico de cinema influente analisou os filmes tridimensionais no auge da febre de Avatar, cinco anos atrás
Leia a matéria completaEra a sessão de exibição de Velozes e Furiosos 7 na sala 4DX do Shopping Pátio Batel. Algumas pessoas foram sorteadas para participar do evento. Outras, convidadas. A sala é especial. Proporciona “imersão extrema com mais de 20 efeitos”.
As poltronas são distribuídas em plataformas com assentos interconectados. Há quatro em cada. 202 ao todo. São cobertas por um tecido bordô que lembra veludo. Há um degrau para apoiar os pés. Quando o garçom chega com mais pipocas na bandeja – alguém reclama que está salgada demais – e uma garçonete faz questão de entupir os convidados com refrigerante, o filme está prestes a começar. “Parabéns para quem foi sorteado. Vocês vão sentir várias emoções.” A sala não está vazia, mas também não está cheia.
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Há uma expectativa interessante. Nada como a sensação que temos antes de alguma torre despencar de uma altura inimaginável; ou a que sentimos quando a montanha-russa está subindo os trilhos inevitavelmente rumo ao precipício que logo chega. Mas todo mundo deveria estar pensando: “O que vai acontecer?”. Antes de apagarem as luzes, ainda dá tempo de duas amigas, sentadas provavelmente na fila C, tirarem uma selfie. E de perceber que, de cada lado do cinema, há cinco ventiladores apontados como arma para a plateia.
O filme começa e o primeiro movimento da poltrona é para cima, ainda durante o trailer. Ouvem-se algumas risadas. Os assentos baixam de repente. Há um semifrio na barriga. Nada que assuste.
Na primeira meia hora das intermináveis 2 horas e 17 minutos de Velozes 7, todo o repertório do cinema 4DX estava provado. Além de se movimentar horizontal e verticalmente (nessas horas o degrau até ajuda), há solavancos fortes, que fazem com que a cabeça bata no encosto, logo atrás. Quando na tela um muscle car turbinado voa pelas ruas de Los Angeles, rajadas de vento descabelam as moças. Há jatinhos de água utilizados com parcimônia – os piás das cadeiras 13 e 14 limparam os óculos 3D duas vezes. Quando alguém atira (a certa altura, o filme parece um Duro de Matar brega), é como se colassem a boca em seus ouvidos e assoprassem com força. É irritante, mas faz cócegas.
A partir de hoje, o roteiro da Gazeta do Povo passa a publicar a programação do Cinepólis 4DX debaixo de uma retranca própria. Assim como existe IMAX e 3D, agora existe 4DX.
Algo que me deixou incomodado num primeiro momento foram os soquinhos nas costas (quando os carros avançavam por estradas esburacadas, por exemplo): pensei que fosse o joelho pontudo de alguém mais folgado. Ou um improvável Lango-Lango. Na verdade era outro recurso tecnológico da sala, que neste momento específico vira uma maquininha de massagem tailandesa fajuta.
A experiência de assistir a um filme na sala 4DX não muda a relação com o cinema. Velozes e Furiosos 7 continua sendo um filme péssimo e indefensável. Mas ainda é cinema, já que a parafernália só existe para potencializar a sessão em alguns sentidos. Talvez o cinema “de imersão” faça parte da incontornável hiper-realidade, em que não basta a ideia ou a sugestão de alguma coisa, é preciso a comprovação do que acontece (as selfies em shows [ou em funerais!] exemplificam isso). O cinema 4DX agrada aos jovens – não imagino senhoras chacoalhando suas joanetes deliberadamente – e a quem tem grana: o ingresso custa R$ 53,62. Mas é cinema. Ainda que exagerado, como quase tudo hoje é.