“Vazante”, de Daniela Thomas, escolhido como filme de abertura da Mostra Panorama na 67ª edição do Festival de Berlim, teve première mundial na última sexta feira (10).
A sessão foi precedida de uma prévia para a imprensa, seguida de coletiva com a diretora e a equipe do filme – Toumani Kouyate, Luana Nastas, Adriano Carvalho , Beto Amaral, bem como a produtora Sara Silveira.
Na coletiva – que acontece em todas as competitivas, mas é menos frequente nas paralelas – as perguntas giraram em torno do tema do filme, da escolha do elenco e do cinema no Brasil.
“Vazante” trata das relações raciais no início do século 19. A obra revive a época do trabalho escravo na extração de pedras preciosas em Minas Gerais e aborda a questão da feminilidade sob o ponto de vista de abusos de toda ordem.
A menina Beatriz (vivida pela estreante Luana Nastas) é dada em casamento a Antonio (vivido pelo ator português Adriano Carvalho). Ela é levada a conviver com os escravos do marido numa fazenda que tem tudo para desencadear uma espiral de violência.
Esse é primeiro longa-metragem solo de Thomas, depois de dirigir em conjunto “Terra Estrangeira”, “O Primeiro Dia” e “Linha de Passe”, com Walter Salles, e “Insolação”, com Felipe Hirsch.
O elenco conta também com Sandra Corvelloni, que trabalhou com Thomas em “Linha de Passe” e, pelo papel, ganhou a Palma de Ouro em Cannes.
Em entrevista à Gazeta do Povo, a diretora disse que é uma honra e um privilégio estrear seu filme na Berlinale. “Os grandes festivais de cinema me deram muito retorno como o de Cannes, em 2008, quando recebi a Palma de Ouro para Sandra, por sua linda Cleuza de ‘Linha de Passe’. Fico muito orgulhosa de ter Sandra mais uma vez brilhando em um filme meu. Meu coração está acelerado”, declarou Thomas, reafirmando sua satisfação por estar no festival.
“Existe uma sinergia entre a Berlinale e o cinema do Brasil. Talvez seja o festival que mais impacto tenha tido no cinema brasileiro das últimas décadas, premiando ‘Central do Brasil’, Fernanda Montenegro, ‘Tropa de Elite’ e ‘Que Horas Ela Volta’”, destaca Thomas, que acalentava o projeto de “Vazante” há mais de 15 anos e optou por rodar o filme em P&B.
“Não queria que as cores atrapalhassem o fluir da história. E como o preto e branco traz essa associação com o passado, achei que seria legal”, diz a cineasta, que filmou num casarão antigo próximo à região do Serro, em Diamantina, Minas Gerais.
Perguntamos qual receptividade espera do público da Panorama, uma mostra que tem a característica de selecionar filmes de cunho social, originais, com qualidade artística e, sempre com um público interessado e participativo.
“Essa lista é quase uma manifestação do meu desejo em relação a ‘Vazante’. Eu adoraria que o filme fosse percebido – para além das emoções da narrativa – como um gesto em direção à recuperação da história na formação da nossa identidade, de todos nós brasileiros”, ressaltou.
“Gostaria que Vazante chamasse à reflexão. E amaria que minha paixão antiga pelo cinema fosse visível nas minhas escolhas... Não aguento esperar para descobrir o quão universal é ‘Vazante’, neste que é um dos melhores e mais plurais públicos de festivais europeus”, sintetizou Thomas que, com seu filme concorre ao Prêmio de Audiência da Panorama, ganho em 2015 por Anna Muylaert com “Que Horas ela Volta”.
Polonesa aplaudida
Aplausos entusiasmados marcaram no domingo (12) a sessão para a imprensa de “Spoor”, filme da diretora polonesa Agnieszka Holland, selecionado para a mostra oficial desta 67ª edição do Festival de Berlim.
Poucos cineastas têm uma carreira tão diversificada quanto Holland, uma artista verdadeiramente global que já trabalhou na Alemanha, França, República Tcheca, Inglaterra, Estados Unidos e na sua Polônia nativa. E também eclética, com trabalhos que envolvem muitos estilos, realidades e culturas diferentes.
A trama de “Spoor” – que a traz de volta às locações na Polônia – segue Janina Duszejko (Agnieszka Mandat), uma mulher amante dos animais, vivendo em um rincão remoto do interior polonês. Quando seu cachorro desaparece, ela passa a defender outros animais dos caçadores locais e acabará sendo a principal suspeita de um assassinato.
Holland escreveu o roteiro juntamente com Olga Tokarczuk, autora do romance sobre um serial killer, no qual o filme é baseado. Com o intrigante título de “Drive Your Plough Over the Bones of the Dead” – em tradução literal “Conduza seu arado sobre os ossos dos mortos” – o livro foi indicado ao Prêmio literário Nike em 2010.
Na concorrida coletiva após a projeção – da qual participou a Gazeta do Povo – Holland explicou o que a atraiu para o projeto que ela descreve como um thriller de humor negro ecológico.
“Eu gosto muito dos livros da Olga. Ela é uma das minhas escritoras favoritas e, quando li esse romance pela primeira vez, pensei que poderia dar um filme. Mas ninguém parecia considerar possível fazer sua adaptação para as telas. Um amigo produtor polonês baseado em Berlim me perguntou se eu estaria interessada no projeto. Eu reli o romance e disse que sim, achando que seria simples de adaptar; mas, na verdade, não foi”, contou a diretora, revelando que o roteiro teve várias versões.
“Olga fez o primeiro rascunho e depois trabalhamos juntas. Mas o roteiro passou por muitos e muitos rascunhos. E mesmo depois, quando eu estava filmando, percebi que o filme somente iria encontrar a sua forma na sala de edição”, destacou Holland que, ao final, se disse satisfeita com os resultados.
“Foi desafiador, tentamos coisas diferentes para encontrar a maneira certa para contar a história. É muito diferente de qualquer filme que fiz antes, mas acho que está interessante”, avaliou a diretora, acrescentando que queria uma atriz que não tivesse desempenhado um papel de protagonista anteriormente.
“Na verdade, era para Agnieska (Mandat) estar no meu primeiro filme, mas acabou não acontecendo e rolou agora, 40 anos depois. Foi fantástico trabalharmos juntas.”, ressaltou.
Ultimamente Holland tem alcançado sucesso considerável na televisão norte-americana. Mesmo assim, não tem deixado de lado sua expressiva atuação no cinema que, conforme destacou, vive um bom momento no seu país.
“Acho que houve um verdadeiro renascimento do cinema polonês, e espero que assim continue. Há muitos cineastas interessantes, tanto da geração de meia idade quanto das mais jovens que estão chegando. A produção tem se mantido estável e até em crescimento nos últimos dez anos”, afirma a diretora de 68 anos que, no já longínquo ano de 1981 teve muito sucesso aqui, concorrendo na mostra oficial naquele ano.