Cineasta escolheu alunos de escolas públicas do Rio de Janeiro como personagens de documentário.| Foto: Divulgação

Em novembro de 2013, Eduardo Coutinho terminava as filmagens daquele que seria seu derradeiro documentário. Não deu tempo. O cineasta foi assassinado pelo filho em 2 de fevereiro de 2014. Últimas Conversas, uma das estreias do fim de semana, foi finalizado por João Moreira Salles, um dos amigos íntimos do melhor “conversador” do país; e montado por Jordana Berg, parceira do documentarista desde Santo Forte (1999). Por isso, a despedida é um Coutinho peculiar.

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Veja no Guia onde assistir ao filme.

O filme é uma série de dez entrevistas com jovens do terceiro ano de escolas públicas do Rio de Janeiro. Ao estilo Coutinho: uma cadeira, uma sala vazia, perguntas e respostas – e lágrimas e confissões. As cenas iniciais certamente não estariam no filme se o destino fosse outro. Porque vemos um Coutinho ranzinza sendo “entrevistado”. Descrente como quase sempre, deslegitima o próprio projeto, o que revela a crise pela qual passava, talvez desde Jogo de Cena (2007), seu último grande trabalho. “Me arrependo de não ter feito um filme com crianças. Elas não sabem fingir”, diz. “Este é um filme que vai dar errado”, avisa. Não deu errado. Mas não é um grande Coutinho.

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“Coutinho foi um náufrago da vida”

Parceira de trabalho de Coutinho desde 1995, Jordana Berg foi a montadora de Últimas Conversas. Em entrevista, define o documentarista como um “náufrago da vida”, e diz que aprendeu a como “não fazer filmes.

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Últimas Conversas é, de certa forma, uma análise qualitativa da juventude da classe média-baixa brasileira. Nas dez entrevistas, há um apanhado de temas contemporâneos e importantes. Vemos um Coutinho mais conversador, embora um pouco irritadiço – ele convivia com um problema de audição, algo normal aos 80 anos, mas o fim do mundo para quem fez da vida um confessionário.

Há meninas negras que falam sobre cotas; meninos negros que sonham em ser poetas; filhas de prostitutas que precisam ganhar dinheiro; sofredores de bullying; há quem veja na companheira da mãe uma “padastra”; e, por fim, uma criança, a menina Luiza, a única que desafia o silêncio revelador de Coutinho – “agora eu não sei o que dizer” --, e para quem Deus é “o homem que morreu”. Ainda impressiona o clima de partilha criado quase instantaneamente. Um velhote gentil, de cabelos brancos e voz de pigarro, desperta confiança naturalmente, mas Coutinho ia além.

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O diretor de Edifício Master (2002) estava descrente do filme porque seus personagens eram adolescentes – havia um abismo etário. Coutinho acreditava que eles não tinham vivido o suficiente para contar algo relevante. “Não haviam perdido muitos parentes ou amores”, diz Jordana Berg – leia entrevista completa acima. Coutinho estava errado. Talvez pela primeira e última vez.