Dispositivo do juízo final, raio apontado para o céu e tudo se resolvendo numa pancadaria
que já vimos em outros filmes
A construção do universo cinematográfico dos personagens da editora DC Comics continua problemática. Em tempo: “Esquadrão Suicida” não é um filme tão ruim como seu predecessor: o polêmico “Batman v Superman”. Mas infelizmente é esquecível. Mais um potencial desperdiçado devido a decisões artísticas equivocadas e, principalmente, à pressa em amenizar o tom pesado e cínico dos filmes dirigidos por Zack Snyder nesse universo de superseres inaugurado com “Homem de Aço” (2013).
Snyder trouxe uma mão pesada para tentar diferenciar nas telas os personagens da DC dos da Marvel, que emplaca sucessos desde 2008. O irônico é que o cinismo, a brutalidade, a inconsequência e amoralidade cabem muito bem no Esquadrão. Eles representam o lado B, os “restos” num mundo protegido por seres “divinos”. São a equipe de “limpeza” responsável pelo trabalho sujo. Massa de manobra em jogos de poder corruptos, atuando nos bastidores enquanto as pessoas olham para o céu em busca de esperança na forma de um homem de capa vermelha.
Poderia ter sido, além de um contraposto a visão que temos dos super-heróis nas telas, um respiro na fórmula que atravessou a década em dezenas de filmes. Mas justamente a equipe de pessoas ruins acaba sendo amenizada, ganha piadinhas, reforça estereótipos (repare nos destinos do índio e latino do grupo) e clichês do gênero.
Lá se foi a chance de um filme tenso, político e diferente. Se até o Capitão América já o fez, não seria mais fácil com um bando de personagens corruptos até a medula? Por algum motivo não é. A escalação de Will Smith para o papel do Pistoleiro é equivocada. É mais um caso clássico de estrela que precisa mostrar o rosto quando precisa usar a máscara para acreditarmos em seu personagem. Ele atraiu investimento e público, mas repeliu o personagem de sua essência. Acredite, ele, o mercenário assassino, é um doce perto do Batman que o espanca diante da filha. Sim, esse Batman truculento, em participações especiais no filme, é a essência desse universo que nasceu torto. E que será difícil de consertar.
Outro convidado especial é o Coringa. Diferente de todas as versões anteriores, surge perturbador e nada cômico. Promete bons momentos em filmes futuros ao lado de sua amada Arlequina, fiel à sua caracterização nos desenhos animados, onde surgiu antes das HQs. Ela também defende bem seu papel mas, num mundo onde se discute o empoderamento feminino, os desnecessários enquadramentos em suas nádegas chegam a incomodar.
Mais um sinal de que é um filme de garotos, com muitos tiros, explosões, helicópteros e soldadinhos. Até lembra alguns filmes de ação oitentistas como “Fuga de Nova York” e “O Predador”, mas sem sua eficiência simplista. Pelo contrário, complica onde não é preciso. Sua trama paralela com superseres sobrenaturais mais atrapalha o ritmo da história do que lhe dá estofo. É uma ameaça global a ser combatida basicamente por um cara que não erra um tiro e uma menina com um bastão de basebol e shortinho.
Dispositivo do juízo final, raio apontado para o céu e tudo se resolvendo numa pancadaria que já vimos em outros filmes. Dejà vu também na ceninha pós créditos com Bruce Wayne emulando Nick Fury no primeiro filme do Homem de Ferro. Ainda mirando na concorrência, conseguiram apenas um “Guardiões da Galáxia” que não decolou. E assim esse cineverso segue perdido em sua identidade. Com um filme esquizofrênico, mas do jeito errado.