Em pouco mais de 50 anos de carreira, Francis Ford Coppola alternou a reputação de gênio com a de produtor falido.
Para cada O Poderoso Chefão (1972), épico mafioso que aceitou dirigir para a Paramount para poder manter a American Zoetrope, sua então recém-criada produtora, houve um fracasso comercial estrondoso, como O Fundo do Coração (1981), que o deixaria endividado por uma década.
Toda essa trajetória de sucessos e fiascos será passada a limpo pelo ciclo Francis Ford Coppola – O Cronista da América, retrospectiva completa dos filmes do autor de Apocalipse Now (1979), outro polêmico projeto do realizador americano, que fica em cartaz entre os dias 3 e 29 de junho no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.
A mostra inclui desde as primeiras experiências coletivas do diretor, ainda como estudante de cinema, como a comédia Tonight for Sure (1962), a seus filmes mais recentes, como Tetro (2009), que marca o retorno às origens independentes, liberdade conquistada com ajuda dos recursos de sua vinícola na Califórnia e de sua cadeia de resorts.
“Não estou mais no negócio dos estúdios. Ganho a vida como empresário e gasto meu dinheiro fazendo filmes experimentais”, diz o cineasta de 76 anos.
Na entrevista a seguir, ele relembra a passagem pelos bastidores de Chatô, o Rei do Brasil, do brasileiro Guilherme Fontes, no fim dos anos 1990.
O senhor é um dos cineastas da Nova Hollywood, a geração que se criou à margem dos estúdios, nos anos 1960 e 1970. Acredita que algo semelhante possa ocorrer no cinema de hoje, com um mercado pautado por filmes de super-heróis?
Sempre pode acontecer. Quando os cineastas se unem, a sensação de excitação faz com que um novo “movimento” se inicie. O cinema industrial está nos últimos esforços, tentando gerar dinheiro com o entusiasmo de meninos adolescentes e meninas pré-púberes. Mas o cinema está vivo com os independentes.
Estou interessado em fazer filmes por diversão e por emoção, aprendendo e me divertindo com eles. Agora financio o meu trabalho com os meus outros negócios.
Qual foi a fonte dessa “excitação” naquela época? O contexto social teve alguma participação nesse movimento?
Não sei exatamente o porquê, mas parece que bolhas de cinema de repente surgem em diferentes partes do mundo em “movimentos”: entre os artistas dos estúdios UFA da Alemanha do cinema mudo, como Murnau, Lang e Pabst; de repente na Itália do pós-guerra, com Rossellini, Visconti, Antonioni, e assim por diante; então, no Japão, do nada, surgem Kurosawa, Ozu, Ichikowa; então vem o manancial da Nouvelle Vague, com Godard, Chabrol, Resnais, Malle, e muito mais. São cineastas que influenciam outros – agora mesmo, temos, do México, Cuarón, Del Toro e Iñárritu. Quando as pessoas que amam cinema se encontram para falar sobre filmes o tempo todo, comem, dormem cinema, é que essas sementes de mudança surgem, crescem da terra.
O senhor considera O Poderoso Chefão e sua repercussão um acidente que o desviou do caminho que buscava. Que caminho era esse?
Eu queria ser um roteirista e diretor de filmes independentes, de “arte”, como era conhecido esse tipo de cinema quando eu era jovem.
Mas o senhor não tem orgulho desse e de outros “acidentes”, que lhe deram prestígio com a crítica, como Apocalipse Now e O Fundo do Coração?
Sim, é claro que tenho orgulhoso destes resultados da minha vida, eles são como um filho que, embora alguém não esperasse muita coisa dele, acaba nos gratificando de alguma forma. É bom sabermos que eles foram apreciados. Costumo perguntar à minha mulher: “Onde acertamos?”. Porque, não tenho dúvidas, fomos abençoados, com filhos maravilhosos (Roman e Sofia Coppola, também cineastas, e Gian-Carlo, morto em 1986), mas também com uma vida maravilhosa no cinema. Comecei querendo escrever e dirigir filmes experimentais, mas mal sabia que teria uma vida experimental!
Com o fracasso comercial de O Fundo do Coração (1981), um de seus filmes mais pessoais, o senhor passou uma década fazendo filmes como diretor contratado, para pagar a dívida com o banco. Foi um período desgastante também emocionalmente?
Analisadas em retrospecto, as coisas mais terríveis parecem menos ruins. Afinal, se você sobreviveu a elas, não deve ter sido tão péssimo. Mas, no momento em que a vivenciamos, sem saber o que vai acontecer, sempre nos parecem terríveis, e foram.
Filmografia
A retrospectiva sobre Coppola é no Rio de Janeiro, mas toda a filmografia do cineasta está disponível em vídeo. Na Netflix, é possível ver a trilogia O Poderoso Chefão, A Conversação (Palma de Ouro em Cannes 1974), Jack (com Robin Williams) e Tetro.
Falando em projetos problemáticos, no final dos anos 1990, o senhor foi apresentado ao brasileiro Guilherme Fontes, que lhe ofereceu participação no filme Chatô, o Rei do Brasil. Por que a associação não foi adiante?
Originalmente, ele entrou em contato com um técnico de nossa empresa, a American Zoetrope, e encomendou uma sala de edição para ele. Gostei bastante do Guilherme Fontes e de sua família. Senti que eu estava sendo meio “usado” para ajudá-los a levantar o dinheiro do governo brasileiro para o projeto, e nunca ficou muito claro se o projeto ia avançar. Essa foi realmente toda a nossa participação, mas, como disse, percebi que meu “nome” também estava sendo usado para ajudá-lo a levantar verba. Meu envolvimento com Chatô, o Rei do Brasil não foi mais do que servir como um conselheiro informal – dei os conselhos mais sinceros que pude dar, na época.
Desde Tetro (2009), o senhor parece ter recuperado o controle de sua carreira como cineasta independente. Sente-se retomando o caminho que traçou para si nos anos 1960?
Sim, estou interessado em fazer filmes por diversão e por emoção, aprendendo e me divertindo com eles. Agora financio o meu trabalho com os meus outros negócios. Eu me tornei muito experimental, ansioso para ir aonde ninguém jamais esteve.
O senhor está desenvolvendo um novo projeto, uma saga multigeracional em torno de uma família italiana nos Estados Unidos. É um retorno ao universo de O Poderoso Chefão?
Sim, é sobre três gerações de uma família ítalo-americana, que tem como pano de fundo uma história que acontece ao mesmo tempo: a do nascimento e crescimento da tevê, e sua transição para a nova era da informação. Será uma produção muito independente.
A propósito, a tevê americana tornou-se um campo promissor para diretores e produtores de cinema. Nunca pensou em juntar-se à mídia?
Eu tenho mais o que fazer.
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