O cineasta Ferdinando Vicentini Orgnani conquistou respeito na Itália como diretor de filmes políticos. Um dos marcos de sua carreira é “Ilaria Alpi – O Mais Cruel dos Dias” (2003), que adapta para o cinema a história real de dois jornalistas italianos mortos na Somália. Com “O Vinho Perfeito”, uma das estreias desta quinta-feira (23) nos cinemas (confira as informações no Guia), ele dá uma guinada na carreira e faz um filme que mistura crime e comédia – uma fusão inusitada, mas que deu fama, por exemplo, aos irmãos americanos Joel e Ethan Coen (“Fargo”, “Arizona Nunca Mais”). Na entrevista a seguir, feita por e-mail, Orgnani fala de cinema, vinho e da atriz Giovanna Mezzogiorno.
“O Vinho Perfeito” mistura características de comédia e mistério. Por que essa combinação?
Essa combinação é minha paixão desde a época como estudante de cinema. Meu primeiro curta-metragem tinha um pouco de humor negro. Por alguma razão estranha, de lá para cá mudei de rumo e passei a fazer filmes “políticos” – tema também de meus documentários. O meu filme de 2003, “Ilaria Alpi – Il Più Crudele Dei Giorni”, que conta a história real da morte de dois jornalistas da RAI na Somália, causou um monte de problemas legais para mim nos dez anos seguintes. Fui processado porque fiz questão de usar o nome real das pessoas envolvidas. Como cineasta na Itália, conquistei credibilidade por esse tipo de filme e acho que não foi fácil mudar de gênero. Por fim, tive chance de experimentar algo completamente novo. “O Vinho Perfeito” é cheio de citações a vários filmes (principalmente de Kubrick e de Buñuel) e uma parte importante da minha inspiração veio do incrível romance do escritor Mikhail Bulgakov, “O Mestre e Margarida” – como na cena do diálogo entre Giovanni e o professor sentados num banco perto da lagoa. Vivi em Moscou por seis meses em 1993 e sempre sonhei em abordar esse livro no cinema de alguma forma.
Quais foram os filmes que se serviram de referência para “O Vinho Perfeito”? Você considera que ele é, também e de alguma maneira, um filme sobre vinhos?
“Barry Lyndon” [Kubrick], sem dúvida nenhuma, com a festa à luz de velas perto do fim do filme. O interrogatório feito pelo oficial de polícia [em “O Vinho Perfeito”] é algo clássico, tem várias referências e eu pude brincar com o gênero. Pensava na possibilidade de fazer um filme sobre vinhos há bastante tempo. Cresci numa família produtora de vinhos no nordeste da Itália, em Friuli, então vinhos fazem parte da minha vida desde sempre. Também fui muito cuidadoso, me preocupei em dar informações técnicas corretas a respeito de vinho e tive a consultoria de um enólogo – assim o filme acaba dando algumas informações a respeito do mundo do vinho.
O filme todo foi rodado em Trentino, na província de Trento, no nordeste da Itália. (...) As dolomitas [tipo de rocha comum na região] são muito impressionantes.
Você poderia falar um pouco sobre as locações do filme? Como as escolheu?
O filme todo foi rodado em Trentino, na província de Trento, no nordeste da Itália. O vinho mais importante na história do filme, Marzemino (citado por Mozart na ópera “Don Giovanni”) é produzido lá e tivemos o apoio da administração local. As dolomitas [tipo de rocha comum na região] são muito impressionantes bem no comecinho do filme e também mais para o fim, mas a província inteira é muito linda – como o público vai ter chance de ver. Para completar, tivemos um diretor de fotografia incrível, Dante Spinotti [italiano que fez a fotografia de dezenas de filmes hollywoodianos].
Como é o trabalho com a atriz Giovanna Mezzogiorno?
Em 2002, quando estava selecionando o elenco de “Ilaria Alpi”, Giovanna era uma atriz jovem, ainda não era famosa na Itália e tive de brigar com os produtores para que ela fosse a protagonista. Esse filme foi muito importante para nós dois, nós nos tornamos amigos e nunca perdemos contato. O filme era um drama, mas sempre achei que Giovanna se daria bem em comédias e escrevi a personagem da Adele [em “O Vinho Perfeito”] pensando nela. Fiquei muito satisfeito com o resultado final, principalmente com a cena em que ela dificulta a vida do ex-marido – ela é um pouco sádica e maldosa, mas sempre calorosa e muito inteligente. Também gosto muito da cena do piquenique em que ela interage com Lambert Wilson. É uma situação surreal.