Oliver Stone teve um dia de agenda lotada na última terça (8), durante sua passagem por São Paulo. Seus compromissos não incluíam passar no consulado para votar, nessa renhida eleição norte-americana. Ele contou que já tinha votado antes de viajar ao Brasil, mas não contou seu voto. Ele também não acreditava que Donald Trump ganharia e apostava que as coisas iam piorar com Hillary Clinton, até então apontada como a vencedora. “As coisas já não andam bem com (Barack) Obama”, avaliou. A reportagem observa que Stone é muito crítico com a administração Obama no filme que o trouxe ao Brasil, “Snowden - Herói ou Traidor”, sobre o analista da NSA, Edward Snowden, que denunciou o gigantesco esquema de supervigilância montado na ‘América’.
Em nome da segurança, até o mais comum dos cidadãos passou a ser vigiado pelo governo. Mas Stone reage quando lhe dizem que é crítico com Obama. “Nem preciso ser. Basta prestar atenção em suas sucessivas declarações ao longo do filme. Ele se contradiz, nega, se arrepende o tempo todo. A par de ter construído esse sistema para espiar o público que custou bilhões de dólares, o que o governo mais faz é mentir”, ele adverte.
No original, o filme chama-se “Snowden”. Foi no Brasil que o distribuidor lhe colou o subtítulo - herói ou traidor. “Bullshit” (bobagem), diz Stone. Na sua abordagem, nem por um minuto Snowden, que colocou a vida em risco e hoje vive isolado na Rússia, pode ser considerado traidor. Como todo herói de Stone, é um idealista confrontado com o poder. “Tive vários encontros com ele. Estava interessado em seu patriotismo. Tudo o que ele fez foi baseado num amor sincero pela América e na certeza de que estava defendendo princípios que fizeram sua grandeza.” Em nome desse amor, Snowden libera, no filme, informações consideradas de segurança máxima. Enfrenta, como se diz, o sistema mais poderoso do mundo.
Nesse sentido, não difere muito de Jim Garrison, o promotor de “JFK - A Pergunta Que Não Quer Calar” nem do Ron Kovic de “Nascido em 4 de Julho”. “A diferença é que Snowden não é um herói como Kevin Costner ou Tom Cruise. Ron (Kovic) alistou-se na guerra por patriotismo. Acreditava, como muita gente (nos EUA), que a guerra (do Vietnã) era necessária, mas sofreu na carne a decepção e virou ativista contra todas as guerras. Snowden teve decepção parecida. Acreditava que fazia parte de um grupo de eleitos fazendo as coisas certas, mas percebeu que não era nada disso. O problema é que ele é tímido, introvertido, não sorri. Não é o tipo de herói com quem as pessoas se identifiquem facilmente.”
Desafios de um herói tímido
Stone deixa subentendido que foi um desafio fazer um filme de mais de duas horas com esse tipo de herói. Está feliz de ter conseguido. Há uma frase repetida como um mantra em Snowden. “As pessoas não querem liberdade, querem segurança.” O diretor é lembrado sobre uma possível referência a “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, em que existe Hal 9000, o poderoso supercomputador que quer controlar tudo. Numa cena, Snowden está na cama com a namorada quando vê a luz vermelha do laptop ligada. O olho que tudo vê, como Hal 9000. “Não fiz essa associação, mas ela é possível”, avalia Stone. “O filme de Kubrick é sobre o perigo representado pelas máquinas, pela inteligência artificial. Nesse sentido, 2001 iniciou uma nova era, concordo, mas agora estamos falando numa programa como nunca se viu, criado pelo governo para vigiar os cidadãos e dominar o mundo. Estamos falando de poder, de dinheiro, de supremacia.”
E o diretor só tem elogios para o ator que faz o papel, Joseph Gordon-Levitt. “Ele conheceu Snowden na Rússia. Assimilou coisas para servir ao personagem e torná-lo mais real. É o que fazem os atores realmente talentosos.”
“Otimismo do coração”
Stone continua batendo em Obama. Diz que ele foi uma decepção completa. “Traiu tudo aquilo que dizia ser seu ideário para ser eleito. Obama é um caso raro de quem fez o acordo com Wall Street antes de ser eleito. Toda a sua equipe econômica veio de lá. Os liberais caíram fora de seu governo rapidinho.” E Stone prossegue: “Obama é o típico nice guy. Bonzinho... Apresenta-se como homem de consenso. Nunca lutou para conseguir as coisas. E é preciso lutar - por aquilo em que se acredita. Como Snowden”.
O que Stone pensa de seus filmes? “Minhas memórias de cada filme estão ligadas aos processos que vivi. Nesse sentido, orgulho-me de todos os filmes. ‘Nascido em 4 de Julho’ me lembra coisas boas.” Por falar em coisas boas, como ele se sente em relação ao momento atual, se as coisas, como diz, vão piorar? Pessimismo da razão ou otimismo da vontade? “Otimismo do coração”, ele prefere. E sobre o estado do mundo, nesse avanço da direita em toda parte. “É como em “Star Wars”. Os rebeldes enfrentam o Império querendo vencer. E vencem. Que não seja só ficção.”