António Lobo Antunes – famoso escritor português, de 73 anos e autor de inúmeros livros – é o personagem de uma história que agora está sendo levada ao cinema em “Cartas da Guerra”, dirigido por Ivo M. Pereira. O filme foi bem recebido no domingo (14), tanto na prévia para a imprensa quanto na sessão de gala para o público na mostra competitiva oficial da 66ª edição do Festival de Berlim.
O novo trabalho de Pereira – filmado em preto e branco – é a adaptação para as telas do livro “D’este viver aqui neste papel descripto: Cartas da Guerra”, que reúne as cartas escritas por Antunes à sua mulher Maria José, a partir de um cenário da guerra colonial vivido em Angola entre 1971 e 1973. Na época, ele era um jovem alferes e médico de 28 anos.
O elenco inclui atores portugueses e angolanos. O escritor é vivido pelo ator Miguel Nunes e sua mulher Maria José é interpretada pela atriz Margarida Vila-Nova, (esposa de Ferreira), que no filme faz a voz em off, lendo trechos das cartas.
Através de um filme intenso e inovador, o diretor português mostra que é possível encontrar beleza, poesia e esperança, mesmo diante do sofrimento, da solidão e do horror da guerra.
Em entrevista para a Gazeta, Pereira disse que o filme é sobre a interrupção abrupta da vida de um jovem. “E também sobre a guerra colonial resgatando um episódio da nossa história recente que foi, de certa maneira, apagado com a Revolução dos Cravos. Há um patrimônio humano que absolutamente me interessava tratar. É um filme sobre pessoas durante a guerra colonial”, explicou o diretor, que também quis abordar o lado político do episódio.
”Nas cartas fica evidente o crescimento político de António. O jovem médico é obrigado a deixar Lisboa, sendo um intelectual e tendo uma bagagem absolutamente impressionante e invejável em termos de literatura. Há uma tomada de posição política em relação à guerra, à estupidez, à injustiça absurda de atirarem estes jovens para uma situação que eles nem sequer sabiam para o que é que iam”, constata.
O filme não é totalmente fiel ao livro e segue uma narrativa própria criada a partir do argumento que Pereira escreveu em parceria com Edgar Medina.
“A mola propulsora são as cartas da guerra. Mas não é só isso: há um aspecto, talvez o mais importante, que é o fato de haver um homem que está crescendo, mudando no contato com o cenário de guerra, e um escritor que está nascendo. Existiam estas linhas de força que nos fizeram acreditar que eram alicerces para poder construir uma narrativa sólida”, destacou.
O diretor diz que não é muito ligado em gêneros, mas concorda que “Cartas da Guerra” navega em vários deles: é um filme de guerra, é um filme de amor, é um filme político, mas vai até além.
“É um pouco de tudo isso, mas é também muito mais. Embora seja um filme onde a ação se passa em 1972 e de ser uma espécie de biografia de um dos maiores escritores de Portugal, não deixa de ser um trabalho sobre nós portugueses, e sobre hoje, porque o ponto de vista é o de hoje. É mais importante para mim este escavar no passado, enquanto pulsão de reflexão sobre nós e sobre o presente. Além de tudo, estamos falando de um período que não tem sido tão retratado: a guerra colonial, 40 anos depois”, lembra o diretor que, ao indagarmos sobre um novo projeto – Hotel Império, que também terá como protagonista Margarida, sua mulher – sai pela tangente
“Como você soube disso? perguntou, com uma expressão curiosa e ao mesmo tempo amistosa: “assim que puder me desvincular um pouco do lançamento deste filme, vou pensar neste assunto” despista Pereira que em “Cartas da Guerra” – embora possa não ser para todos os gostos – retratou um período importante da história e de um dos piores tormentos da humanidade, que é a guerra, de forma sensível e, até então, bastante inovadora, não só para o cinema português, mas para o cinema em geral.
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