Tudo bem, eu sou paranoico. Mas será que eu sou paranoico o bastante?
Esse é o lema de um dos personagens de Graça Infinita, de David Foster Wallace. Um lema, por assim dizer, metaparanoico, como bem cabe ao mais bem sucedido dos herdeiros de Thomas Pynchon, o REI da literatura paranoica por aí.
Pynchon, que não está com livro novo na praça, virou notícia agora por causa do lançamento do belo filme Vício Inerente , de Paul Thomas Anderson, primeira adaptação de um dos seus romances pro cinema [em cartaz no Cinépolis].
PTA, queridinho dos queridões modernosos (mas beeem menos constante do que eles parecem querer acreditar), pode ter feito umas alterações estranhonas no livro, especialmente ao centrar a intriga numa estória de amor. Mas o fato é que duas coisas absolutamente centrais pra obra do velho Pynchon ficaram bem representadinhas: a bobeira e a paranoia (além da relevância perene de relações dolorosas entre pais e filhas, sempre afastados…).
Os melhores momentos individuais do filme são derivados do humor impagável do livro. E a sua melhor qualidade geral é a manutenção do inexplicado clima paranoico que, naquele caso, retrata o fim da fantasia hippie e o começo do que seriam os anos Reagan.
Aquela sensação de que “eles” querem acabar com “a gente”.
Pouca coisa é mais americana que isso. E é bem por isso que eu nunca vou cansar de dizer que Pynchon é o melhor retrato dos Estados Unidos. Inclusive pela bobeira.
Esqueça Updike, Roth, Bellow… fique sempre com o cara que bota os personagens pra discutir se a Margarida obrigava o Pato Donald a se manter barbeado.
Outro motivo tortuoso pra Pynchon virar assunto, pelo menos aqui, é o lançamento (na Itália, por enquanto) do romance novo de Umberto Eco. Eco é mais velho que Pynchon, mas começou a escrever romances décadas depois dele. Não lembro de ter lido grandes comentários que aproximassem os dois. Mas pra mim as conexões são óbvias. A diferença é que a pira de Eco é europeia, tem que ter Templários, os Protocolos dos Sábios do Sião, Foucault (o do pêndulo) etc…
Mas até o amor pela cultura pop une os dois, como ficou mais do que claro naquele que bem pode ser o melhor romance de Eco, A Misteriosa Chama da Rainha Loana.
Nesse de agora, Número Zero, basta ler a orelha pra saber que estamos num mundo pynchoniano: “Um jornal que existe só como simulação, como ‘ameaça’, e que seria dedicado às notícias do dia seguinte; uma nova hipótese histórica em que Mussolini não morreu; a explicação da conspiração que teria matado o papa João Paulo I”... Esse tipo de coisa.
Tem até um personagem com nome bizarro (Bragadoccio, que significa tipo “gabolice” em inglês, apesar de não ter esse sentido em italiano) que é a personificação do teórico de conspirações. E tem uma outra, Maia, cujo nome, se você saca de mitologia indiana, entrega toda a sua função na narrativa.
Referências arcanas, abstrusas, enredo tortuoso, política, pop.
Só que o livro do Eco no fim meio que decepciona por parecer a coisa meio inimaginável que é um Thomas Pynchon preguiçoso… É curto demais. A conspiração é exposta de um jeito “didático” demais. O fim, então, nem se fala.
Divertido, mas frustrante.
Eco está com 83, Pynchon, que tem vivido um período de grande fertilidade, com romances mais curtos, sim, mas nada “preguiçosos”, está com 77, e não dá sinais de que esteja ficando “encostado”.
Mas, pra falar a verdade, Eco também não dava esse sinais em O Cemitério de Praga. E tem gente, logo aqui na esquina da minha casa, mais velha que os dois e cada vez mais em forma. Será a idade? Será um ponto fora da curva, esse Número Zero? Qual será a próxima do próprio Pynchon?
Ele faz ou não faz uma aparição escondida no filme de Paul Thomas Anderson?
Será que eu, também, estou ficando metaliterariamente paranoico?
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