Dois elementos chamam a atenção em “Steve Jobs”, filme que estreou nesta semana nos cinemas e retrata momentos importantes da carreira do cinematográfico criador da Apple.
Logo de cara, a atuação de Kate Winslet (de “Titanic”) surpreende e revela um trabalho consistente em que sua personagem, braço direito do executivo, oferece um contraponto à instabilidade geniosa de Jobs. Como Sancho Pança e Dom Quixote, ela traz a voz da razão em momentos de devaneio do chefe, vivido por Michael Fassbender, indicado ao Oscar de melhor ator pelo papel.
Aos poucos, o espectador se intriga com outro fator (aqui será preciso dar um spoiler mínimo, quase nada), que envolve os diálogos dessa dupla e de Jobs com três parceiros de trabalho: as interações se repetem ao longo de 14 anos de uma maneira insistente demais para ser casual.
A premiação do filme no último Globo de Ouro exatamente nessas categorias – atriz coadjuvante para Kate e roteiro para Aaron Sorkin (numa adaptação da biografia autorizada de Walter Isaacson) – salientou esses dois pontos fortes do filme. Kate concorre ainda ao Oscar de atriz coadjuvante.
Bastidores
A repetição de encontros e diálogos proposta pelo roteiro se mostra bastante proposital. Estamos nos bastidores de três lançamentos importantes na carreira de Jobs – daqueles em que ele organizava uma grande performance com ele como mestre de cerimônias: o primeiro Macintosh (1984), o NeXTcube (1988, quando Jobs ficou fora da Apple por um tempo e tentou outro negócio) e o iMac original (1998).
Minutos antes de entrar em cena, Jobs enfrenta, em todas as vezes, o cofundador da Apple Steve Wozniak (Seth Rogen); o funcionário Andy Hertzfeld (Michael Stuhlbarg) e o então CEO da empresa, Jeff Daniels.
É por meio do que eles conversam que a história se desenrola, com alguns flashbacks e muito diálogo, com as famosas “reuniões caminhantes” de Jobs.
Mas o fio condutor do drama no filme são os encontros, também nos bastidores, com a ex-namorada e a filha, Lisa Brennan-Jobs. A relação conturbada e a negação inicial da paternidade foram escândalos já explorados em filmes anteriores sobre o gênio da informática.
Educativo
Para quem não sabe nada de informática, o filme oferece elucidações. Um exemplo é o motivo pelo qual os produtos da Apple são propositalmente incompatíveis com os de qualquer outra marca.
Não teria como não usar: a relação filial é material excelente para dramatizar uma história. Claro que, como em qualquer ficção histórica, muita coisa é reescrita para fins dramáticos. No filme, cria-se explicitamente situações de alto temor emocional, como a presença da filha nos bastidores de todos os lançamentos e a forma como ela entra no coração do pai.
O que torna a repetição boa é a autoironia com que o próprio personagem se refere a essas situações. “Parece que todo mundo enche a cara cinco minutos antes dos meus lançamentos e vem tirar satisfações comigo.” Seria uma boa sinopse do filme.
A dramatização contribui também para transformar o homem genial e difícil sobre o qual lemos nos jornais até sua morte, em 2011, num ser humano. O que explica por que o subtítulo do filme em inglês é “o homem dentro da máquina”.
Fassbender
A escolha de Michael Fassbender para o papel de Jobs foi criticada de início, inclusive dentro da própria produção do filme.
O principal motivo: a falta de semelhança entre os dois. Realmente, quando o filme começa, o espectador leva um tempo para entender que aquele bonitão na tela representa Steve Jobs, que já foi vivido por Ashton Kushter em 2013 (“Jobs”) com maior sintonia “física”.
Mas o desempenho de Fassbender revelou ter sido esse um acerto do diretor Danny Boyle (“127 horas”): a avaliação geral é que, ao longo do filme, o ator cresce na identificação com o papel, até o amálgama completo quando usa a indefectível gola rolê preta.
Outros recursos contribuíram para trazer realismo, como o uso de tecnologias de filmagem diferentes, com suas respectivas estéticas, para as três fases do filme (16mm, 35 mm e digital).
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