Sean Baker foi elogiado no Festival de Sundance, no ano passado, por três motivos principais. Primeiro, por ter feito um filme considerado bom. Depois, pela técnica inovadora utilizada no longa. Por fim, pela opção “autêntica” e corajosa na escalação do elenco.
Com estreia prevista no Brasil – mas não em Curitiba – para a próxima quinta-feira (4), “Tangerine” ganhou destaque na mídia por ter sido filmado inteiramente com smartphones (a qualidade impressiona, e os desavisados talvez sequer percebam a diferença entre este e um filme tradicional) e por inserir na trama personagens transgêneros interpretados por... transgêneros – uma escolha que poderia soar natural, mas que, infelizmente, ainda surpreende.
“Honestamente, não entendo por que Hollywood ainda insiste em...”, começa a explicar o diretor americano, antes de dar uma pausa e soltar um suspiro aparentemente de frustração. “O que quero dizer é que eu jamais teria sequer considerado a possibilidade de usar cisgêneros (pessoas que se identificam com o gênero com que nasceram) para esses papéis.”
A comédia dramática começa com a garota de programa Sin-Dee Rella (Kitana Kiki Rodriguez) descobrindo que seu namorado (e cafetão) a traiu enquanto ela estava na prisão. Ao lado da amiga Alexandra (Mya Taylor), sai à procura do rapaz pelas ruas de Los Angeles, na esperança de se vingar. Baker conheceu as duas atrizes numa instituição da cidade dedicada a fornecer informações e programas para a comunidade LGBT.
“De um ponto de vista ético, sabemos que transgêneros têm dificuldade de encontrar trabalho. Há poucos papéis oferecidos para eles. Se você tem em mãos um filme protagonizado por pessoas assim, então por que não convidá-las?”, questiona Baker, numa referência ao hábito dos grandes estúdios de escalarem atores cis para viver transgêneros no cinema. “Temos que ir atrás delas e contratá-las. Há muito talento por aí que ignoramos.”
Outro fator pesou na escolha de Baker pela dupla: ele quis transpôr naturalidade para as atuações. “Os transgêneros trazem consigo as experiências pessoais deles. Kiki e Mya, além de serem talentosas e de terem estudado artes cênicas no colégio, entenderam minha sensibilidade e sabiam que eu queria realismo. Também criei um set bem casual, de maneira que todos se sentissem confortáveis e calmos”, afirma.
O “set casual” a que o diretor se refere consiste em locações ao ar livre - a maior parte do tempo durante o pôr do sol alaranjado de Los Angeles (daí o título do filme) -, uma equipe reduzida e equipamentos pequenos. Foram usados três iPhone 5s, uma lente anamórfica (que adapta as imagens para o formato de cinema) acoplada ao celular, um aplicativo de US$ 8 para a correção de cores e um tripé especial para ajudar a suavizar os movimentos de câmera.
A opção de usar iPhones foi fruto, inicialmente, de restrições orçamentárias, mas logo depois ficou claro que haveria outros benefícios. “Por causa do clima minimalista, ninguém ficou intimidado durante as gravações, o que é muito importante. Isso me ajudou a conseguir situações mais espontâneas e a filmar de maneira quase que clandestina. Ninguém que estivesse passando perto imaginaria que aquilo era uma câmera, e sim um celular”, conta
A experiência foi tão boa que Baker voltou a usar o celular para filmar uma campanha de uma grife, mas seu próximo longa-metragem - sobre “crianças em Orlando”, ele diz, sem entrar em detalhes - será rodado em película. Apesar da visibilidade que ganhou desde que exibiu o filme em Sundance (aqui no Brasil, foi premiado, no Festival do Rio, com o troféu Felix de melhor filme, prêmio dedicado a produções com temática LGBT), o cineasta diz não ter recebido nenhuma proposta para trabalhar num grande estúdio - um movimento comum entre realizadores independentes que se destacam em festivais.
“Eles provavelmente me veem como um diretor independente demais”, ri Baker. “Agora, se me perguntarem se eu faria um filme para um grande estúdio? Definitivamente. Por que não?”