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Gemma Bovery (Gemma Aterton), ao lado de Martin Joubert (Fabrice Luchini): a vida não imita a arte. | Jerome Prebois/Divulgação
Gemma Bovery (Gemma Aterton), ao lado de Martin Joubert (Fabrice Luchini): a vida não imita a arte.| Foto: Jerome Prebois/Divulgação

“Gemma Bovery – A Vida Imita a Arte”, em cartaz nos cinemas, tem credenciais impressionantes.

O roteiro é de Pascal Bonitzer, um senhor de quase 70 anos que colaborou a vida inteira com o cineasta Jacques Rivette, sempre como roteirista, em filmes bons, muito bons e em pelo menos um extraordinário: “A Bela Intrigante”, de 1991, com Michel Piccoli no papel de um pintor obcecado pelas formas de Emmanuelle Béart.

A direção é de Anne Fontaine, de “Coco Antes de Chanel” (2009) e “Amor Sem Pecado” (2013, com Naomi Watts e Robin Wright interpretando mães que se apaixonam pelos filhos uma da outra).

O protagonista é Fabrice Luchini, um dos atores mais carismáticos da França. Talvez você se lembre dele em “Dentro da Casa” (2012), no papel de um professor de literatura e redação que se aproxima de um aluno com dom para a escrita – o problema é que o rapaz escreve sobre a família de um colega, usando-os como personagens.

Luchini vive, em “Gemma Bovery”, mais um papel marcado pela literatura. Ele é Martin Joubert, ex-funcionário de uma editora em Paris que decidiu trocar o estresse da metrópole pela vida tranquila no campo, achando que isso resolveria todos os problemas, “como pensa todo parisiense idiota” (aspas dele).

Ele assume o ofício de padeiro e toca o negócio deixado pelo pai. Para colocar de maneira simples o assunto de que trata o filme: Joubert larga o trabalho com livros, mas os livros não largam Joubert.

Isso fica claro quando a casa em frente da dele é comprada por um casal inglês, Charlie e Gemma Bovery. Os nomes e a beleza da mulher bastam para que Joubert veja nos vizinhos a encarnação dos personagens da obra-prima de Gustave Flaubert, “Madame Bovary”. As coincidências existem – no livro, o casal se chama Charles e Emma Bovary –, mas Joubert se perde de tal maneira entre a ficção e a vida fora dela que logo não consegue mais discernir entre uma e outra.

Não por acaso, é mais ou menos isso que acontece com a pobre Emma no clássico do século 19. Intoxicada pela leitura de romances, ela sonha com histórias de amor espetaculares e resolve pular a cerca, traindo o coitado do Charles.

“Gemma Bovery”

Filme está em cartaz no Cineplex Batel com sessões às 14h e 18h35. Confira mais informações no Guia.

A tensão entre a vida e a literatura é a melhor parte do filme. Joubert se comporta com os vizinhos como um leitor ao longo de um romance (ou como um espectador de telenovela, de filme ou de série): ora torce para um, ora para outro, apaixona-se por Gemma, teme pela vida dela e até deixa uma fornada de pães queimar de tão absorvido que estava pela história.

Uma escritora disse uma vez (acho que foi a Janet Malcolm, mas não consegui confirmar essa informação) que pessoas ligadas às letras sofrem de uma “compulsão por significado”. É maneira como se relacionam com o mundo. A vida delas e dos outros é uma história ou várias histórias de temas recorrentes, núcleos narrativos, personagens, motivos, começos e desfechos. Joubert vai além e vê a vida como literatura.

Mas algo acontece da metade para o fim. À medida que os vizinhos insistem em se afastar do enredo criado por Joubert – e se afastam também de “Madame Bovary” –, “Gemma Bovery” perde força. Ou talvez isso faça sentido.

As razões da vida não são coerentes e plausíveis como as da literatura.

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