Deixar tudo pra trás e recomeçar do zero é uma fantasia clássica. Mas a maioria das pessoas não faria isso realmente. À parte o medo paralisante de mudança, temos outras coisas prendendo-nos às nossas vidas atuais – família, amigos, animais de estimação, um empréstimo ou financiamento de um imóvel, a segurança de um emprego.
Ainda assim, é uma perspectiva tentadora: se você pudesse dar as costas a tudo, para onde iria? O que faria?
Essas são as questões no centro de “Complete Unknown”, que Joshua Marston (“Maria Cheia de Graça”) dirigiu e co-escreveu com Julian Sheppard. O drama, que ainda não tem previsão de estreia no Brasil, entrega uma sólida história de mistério, mas sua maior qualidade pode ser a conversa que poderia iniciar.
Rachel Weisz interpreta uma mulher que não simplesmente deu às costas a tudo e recomeçou; mas uma que fez isso diversas vezes. Ela foi um prodígio do piano por um tempo, depois uma hippie mochilando pela América Central. Foi uma enfermeira no pronto-socorro, mas também viveu na Ásia por um período; sendo serrada ao meio todo dia em um espetáculo de mágica. Ele teve um trabalho tradicional, das nove às cinco, com os tailleurs para provar. E toda vez que ela trocou de carreira, mudou seu nome e sua história.
Em sua última versão, conforme o filme começa, ela é Alice, uma cientista pesquisando a respeito de uma nova espécie de sapo. Também está tramando para se reunir com um homem de seu passado: Tom, interpretado por Michael Shannon.
Ela tem sucesso ao conseguir um convite para sua festa de aniversário e, ainda que Tom consiga se manter relativamente tranquilo enquanto são apresentados um ao outro, está claramente perturbada em ver uma mulher de seu passado que conhecia por Jenny.
No entanto, é durante o jantar que as coisas ficam realmente interessantes. É nesse momento que Alice abre o jogo diante dos amigos de Tom a respeito de suas intenções. A discussão que se segue é animada. Alguns romantizam que o que ela fez é maravilhosamente ousado; outros acreditam que ela possa ser uma sociopata.
Uma bomba que explode na sala
“Sua personagem é a bomba que explode em uma sala polarizando as pessoas”, disse Marston recentemente “Mas as pessoas têm uma reação negativa a ela porque o que fez é genuinamente problemático ou porque estamos procurando por alguma razão ou desculpa para não fazer o mesmo?”
Antes do processo de edição, essa conversa era muito mais longa, conforme os convidados da festa exploravam a moralidade da reinvenção.
“Percebemos que na verdade é muito mais impactante ter menos desse debate na tela porque os espectadores são realmente espertos e, em algum grau, já estão percorrendo essas questões e pensamentos em algum lugar de suas mentes conforme assistem o filme”
“Percebemos que na verdade é muito mais impactante ter menos desse debate na tela porque os espectadores são realmente espertos e, em algum grau, já estão percorrendo essas questões e pensamentos em algum lugar de suas mentes conforme assistem o filme”, disse o diretor. “Ou então eles sairão do cinema e terão aquela longa conversa por completo.”
Eventualmente Alice e Tom acabam perambulando pelas ruas de Nova York à noite falando sobre suas vidas. Enquanto Alice parece estar ficando cansada de sua vida itinerante, Tom tem um problema mais típico do primeiro mundo – está na meia idade preso na rotina. Sua esposa quer que se mudem para San Diego, mas ele busca qualquer desculpa para ficar onde está e continuar a viver na casa em que cresceu.
Isso pode soar triste, mas é mais triste do que o fato de que Alice não vê seus pais há mais de uma década? Ela é uma figura a se aspirar ou um monstro?
Invenção nas mídias sociais
Na era online, pode haver algo adicionalmente sedutor a respeito de viver anonimamente ou fora da grade. Nossos movimentos são tão implacavelmente relatados nas mídias sociais e Marston tinha de tocar nisso em alguma medida no filme. Em certo ponto, um novo conhecido pesquisa o nome de Alice na internet e encontra evidências, digitalmente plantadas por ela, provando que ela é quem diz ser.
Então isso levanta outra questão: a internet deixou mais difícil para Alice fazer o que faz? Ou mais fácil?
“Há alguma maneira na qual você sempre deixa uma pegada, mas também há a possibilidade de invenção diante de você nas mídias sociais”, disse o diretor. “Você pode criar uma nova conta no Twitter ou um perfil no Facebook instantaneamente.”
Alice é traiçoeira, mas, em especial por ser interpretada pela magnética Weisz, também empática. Ela faz viver uma louca fantasia parecer quase racional, ainda que muito solitário.
Mesmo depois de ponderar a ideia de recomeçar por anos enquanto trabalhava no drama, Marston ainda entende a fascinação. Ele mesmo ainda sonha em recomeçar.
“Quase dia sim, dia não”, disse, com uma risada.
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