Pedaços de corpos começam a ser encontrados em malas deixadas em vagões de trens, em diversos lugares da França. A investigação policial logo descobre um fato no mínimo curioso: os fragmentos faziam parte do mesmo corpo, e todos os trens partiram da mesma cidade. Só que a cabeça nunca foi encontrada.

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Foi a cobertura desse crime brutal que inspirou Marguerite Duras (1914-1996) a escrever "A Amante Inglesa", romance que publicou em 1967 e algum tempo depois verteria para o teatro. A peça original consistia na sucessão dos depoimentos da assassina e de seu marido. É quando descobrimos que a vítima era amante dele. Uma jovem surda-muda, colega de trabalho.

"Amante", que a Cia. Club Noir estreou no sábado no Centro Cultural Banco do Brasil, foi livremente inspirada na peça de Duras. O dramaturgo e diretor Roberto Alvim conta que escreveu sob o impacto da leitura do original. "Li o texto e escrevi esta nossa versão. Depois nem voltei mais a ele, nem reli. Esta obra é o resultado do que ficou em mim daquela leitura."

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A estrutura convencional e cartesiana do texto de Duras ganhou, nas mãos de Alvim, uma feição completamente nova. O espetáculo é construído por saltos no tempo e no espaço, personagens que se completam e se apropriam de frases uns dos outros, solilóquios que se entrelaçam em uma atmosfera que sugere um não lugar.

Juliana Galdino interpreta a assassina, Caco Ciocler vive o marido e Bruno Ribeiro, o investigador. As cenas prescindem de movimentos ou gestos; o rigor cênico de Alvim concentra nas palavras, e na maneira como são ditas, a potência do texto. É preciso ver e, sobretudo, ouvir, com extrema atenção. É no detalhe quase sussurrado que são erigidas, pouco a pouco, as peças desse quebra-cabeça. As cenas se sucedem como pinturas.

Alvim conta que a intenção era justamente fazer com que as lacunas dessem ao público a autonomia para que cada um construísse seus próprios sentidos. "Esta não é uma história sobre um crime. O que nos move é a investigação da própria alma humana", diz, sintetizando aí um dos faróis que norteiam a produção e a pesquisa da companhia.

Serviço

CCBB - Teatro (R. Álvares Penteado, 112). Tel. (011) 3113-3651. 6ª, às 20 h; sáb., às 18 h e 20 h; dom., às 19 h. R$ 6. Até 1º/7.

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