A música "A Gente Não Tá de Brincadeira", de Alexandre França, começa com uma sanfona singela, humilde feito o inspirador do papa Francisco. Aos poucos, a balada avança, crescente. Lembra música de festival. Pega pela emoção. O clipe da canção foi lançado na semana passada. Seria só mais um entre os 30 surgidos neste ano em Curitiba, mas virou polêmica.

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Em uma semana atingiu perto de 10 mil visitas no YouTube. Número razoável para uma canção e um clipe também razoáveis. No entanto, a centena de citações de artistas, entre os nominados na letra e os que aparecem em imagens do vídeo, detonaram debates pelo Facebook.

Umas críticas são mais consistentes. O músico Caio Marques, por exemplo, questionou o que ele viu como provincianismo e também a exigência de seriedade no fazer artístico. O jornalista Guilherme Voitch afirmou que o clipe escancara o que ele vê como uma geração autorreferencial e que faz um arte que não questiona. Algumas opiniões são bobinhas, típicas de comentários de "revoltadinhos de internet" também autorreferentes, uma "trolagem" sobre o compositor.

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O que me chamou a atenção foi que as pessoas a favor e contra se posicionaram a partir de algo que na prática não existe: a existência de uma suposta "cena musical" curitibana. É uma bobagem.

Se lermos a letra, é fácil perceber que ela não descreve uma "cena musical curitibana". Nem fala só de músicos. O autor cita uma série de artistas que ele admira. Uma homenagem pessoal. Simples assim.

Os citados, embora colocados pelos debatedores na mesma "panela", são representantes de muitas tendências e estilos. Haveria ligação entre os trabalhos do Wandula e do Lendário Chucrobillyman? Entre o Tatára e o Chico Mello? Comparar Léo Fressatto e Rosie and Me? Beijo AA Força e Los Hermanos? Grupo Rumo e ruído/mm? Você deve ter percebido que também são citados vários artistas não curitibanos, bandas que já acabaram, escritores, dramaturgos e grupos de teatro, mas, nas análises, todos entraram no pacote "cena musical curitibana".

Assim como há muitas opiniões, umas mais relevantes e outras menos, Curitiba tem muitas cenas. Nenhum lugar tem uma só opinião ou uma "cena" só. Nem no clipe, nem aqui, nem na Coreia do Norte. E dentro de cada uma das diferentes "cenas" – o samba, o pop-rock, a MPB, o reggae, o heavy metal, o sertanejo, o hip-hop, etc. – há várias outras "sub-cenas". É impossível e impraticável empacotar tudo sob o mesmo rótulo.

Além disso, as críticas dos "revoltadinhos de internet" devem ter sido motivadas pela presença de Uyara Torrente, que canta parte da música. Ela representa, para o bem e para o mal, A Banda Mais Bonita da Cidade. Os troladores, mesmo conhecendo só o clipe de "Oração", dizem não gostar do trabalho da banda, que retrataria a tal da "cena curitibana". Esquecem que não há nenhum curitibano de nascença na formação da ABMBC e que a banda é a que mais viaja e que menos depende de Curitiba hoje.

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Outro detalhe: aposto que os troladores não conhecem os trabalhos de nem um quinto dos artistas citados pelo Alexandre França.

O clipe atingiu a todos tão emocionalmente que a razão ficou em segundo plano.

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"A Gente Não Tá de Brincadeira"

(Música e letra de Alexandre França)

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Depois das duas grandes guerras do mundoO Brasil deitou nos braços do fundo Do fundoDa bossa nova, dos anos 70 O rock 80 e o rock 90O rap e o funk, depois Los hermanos,A indústria parou pra descansarNum domingo de sol.A internet nos fez um grande favorDe violar o foco do grande mentorMentorDas gravadoras, daquela mídiaA mídia de massa, a falta de escolhasEscolhas demais, mil territóriosNo meu pensamento, esquizofreniaDeleuze e Agambem num só.E em Curitiba a arte fervia sem rastroSilenciosamente os que estavam de fora deixaramUm legadoOctavio Camargo e Chico MelloO Beijo aa força e o grupo Fato,E maisAndré Abujamra, Maurício PereiraCarlos Careqa, o grupo RumoThadeu, Marcos PradoTatára e CabeloArrigo, ItamarE o Paulo Leminski a gritarA gritarE agora as raízes que foram deixadas de ladoNos alimentam com sangue folclore compassoTrês por quatroE as influências de um novo teatroDo TransumanoDa Brasileira,Alvim, JulianaDiego e SalvattiGilson e Sartori,Rodrigo e Linhares,Chiris, Luiz FelipeGlerm e MattanaLarousse, Fressato, no meu violãoE a Mais Bonita cantando uma nova oração.Quem poderá controlarConfraria da Costa?Quem poderá controlarA Banda Gentileza?Quem poderá controlarO Lendário Chucrobillyman?Quem poderá controlarJoão Francisco Paes?Quem poderá controlarTroy Rossilho?A gente não tá de brincadeiraO nosso tempo vai além dos monumentosO nosso tempo vai além dos movimentosO nosso tempo vai além destes momentosO nosso tempo vai alémDe outros tempos.