Passei em frente ao Edifício Tijucas quando um bombeiro içado numa corda grossa deslizava pelo prédio com uma maca atada ao corpo. Foi estranho porque, para quem vinha de dentro da galeria, só era possível ver o agito do outro lado da rua: celulares a postos, equipes de tevê. Um sol discreto descansava sobre os abutres modernos.
O cinegrafista gorducho me avisou que se tratava de uma simulação. No parapeito de um dos apartamentos, deveria ser o 10.º, por aí, uma porção de capacetes vermelhos enfileirados olhava para baixo – para aquela pequena muvuca incidental.
O fato é que provavelmente quem estava na maca era um boneco do estilo crash test dummies. Embora seja mais engraçado pensar que poderia ser alguém de verdade. Alguém, digamos, com medo de altura.
“Jovem com acrofobia é escalado para participar de simulação de incêndio em prédio de 30 andares”, leríamos no Só Verdade, suposto jornal baseado em histórias inacreditáveis. Amarrado na maca, Jorge – nome fictício do bombeiro de mentira – veria o céu, mas seria achincalhado por seus companheiros de quartel. “Sabe que aquela corda já arrebentou uma vez, né?”, diria o sempre sarrista Pestana. “Vai que você aprende a voar”, afirmaria Eleutério, sonhador irreprimível.
Fora um soquinho ou outro, a descida foi tranquila. Um caminhão de bombeiros esperava os rapazes logo em frente à Boca enquanto as moçoilas guardavam o celular na bolsa. “Jovem diz que medo de altura não é nada perto da experiência de ver o céu mais de perto”, diria o jornal Só Verdade em sua resenha sobre o ocorrido, publicada no dia seguinte.
Por esses dias, a definição de realidade nos desafia. Aposto uma bala de borracha que daqui a muito tempo as pessoas lerão jornais do passado e posts no Facebook e não saberão distinguir verdade de mentira. Parte da explicação, principalmente em relação a redes sociais, é dessa ironia inescapável e viciante, que pode ser divertida na intimidade de um chat, mas perde a graça quando vira muleta argumentativa. Algo como “ironiza ou cala-te!”.
O lado mais sério é que algumas notícias de verdade são tão absurdas e quase inexplicáveis que se candidatariam a manchetes garrafais do glorioso Só Verdade:
“Deputados entram na Assembleia de Camburão e reclamam do calor do veículo.”
“Polícia usa gás de pimenta e bala de borracha contra professores.”
“Governo faz cercadinho para votar projeto na marra.”
“Governador diz que está garantindo a segurança para o pleno e democrático funcionamento do Executivo.”
“O que ocorre lá fora não é problema desta Assembleia,” diz deputado.
Sabe aquele famoso esquete do Monty Python em que uma piada era tão, mas tão engraçada que matava, literalmente, qualquer um de tanto rir? Vivemos algo parecido na última semana, só que ao contrário: contam-nos a piada mais sem graça do mundo. E ainda nos matam um pouco, mesmo assim.