É hora do almoço de quarta-feira e chove dentro do inverno de Curitiba. Chove a chuva conhecida, a de molhar a barra das calças e a meia por dentro do all-star; de fazer poças-armas nas canaletas do expresso, de conquistar a velocidade máxima do limpador barulhento do carro de vidro embaçado. “É o ar quente que liga?”
Chove a chuva do guarda-chuva de déizão. Sob as marquises, conhecida injustiça: gente desprevenida procura abrigo e se acotovela com os que estão a salvo. Crime? Chove e somos ainda mais egoístas.
O truque para saber quando seguir caminho é reparar no acumulado de água no chão, ou nos pingos-perdigotos que caem na diagonal em frente ao poste de luz. A poça ainda se mexe como um formigueiro? Risco grande. A chuva se transforma numa rajada incessante na contra-luz? Te acalme, piá. Porque logo tudo diminui, cessa, some de repente, igual a tudo que existe por aí, dentro da vida e fora dela.
Um taxista idoso de boina cinza disse que gosta da chuva porque faz mais corridas. Um motorista de ônibus disse que não gosta da chuva já que os vidros embaçam muito rápido porque as pessoas não param de respirar nunca e mesmo assim fecham as janelas para se proteger do molhado. Um ambulante disse que não gosta de chuva porque não há como expor os DVDs piratas de “Divertida Mente”, outro disse que os cigarros e os isqueiros se encharcam e aí já não prestam para nada. Os músicos de rua provavelmente não gostam de chuva porque evaporam assim que ela começa – ninguém molha a mão para dar moedas. Um gari disse que gosta e não gosta da chuva porque tem menos trabalho, já que a água ajuda na lavação, embora não consiga cumprir toda a tarefa no horário determinado: precisa esperar o toró passar para varrer a sarjeta. Tem também a jaqueta, que não dá conta do que vem do céu. Passarinhos molhados parecem não se importar se chove ou não, mas comemoram com trinados estriquinados quando ela está prestes a ir embora. Gatos não gostam de chuva.
O escritor irlandês Cólm Tóibín, que passou pela Flip neste ano, diz que o que precisamos para criar é de “um longo inverno, com chuvas de verdade, mais ou menos contínuas, entre setembro e abril” (no hemisfério norte). Tudo isso nos forçaria a ficar em casa e, sem ter nada mais interessante para fazer, produziríamos algo enquanto tomamos sopa, quase que forçadamente, por pressão. É mais ou menos o que acontece na Islândia, país com maior número de bandas per capita do mundo. Lá, o inverno infindável só permite olhar para dentro.
Há uma mancha vermelha sobre o Paraná, diz o jornal. O sábado será de chuva infinita. Aproveitemos.
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