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 | Ilustração: Osvalter Urbinati
| Foto: Ilustração: Osvalter Urbinati

Há um par de semanas estive em São Paulo para ver Stephen Malkmus, cérebro e fígado do Pavement, uma das bandas mais importantes dos suculentos anos 90. O show foi no Beco, bar comprido e escuro na meretrícia Rua Augusta. Exceto por duas jovens que pensavam estar em uma náite na baladinha, lá só havia fãs – respeitosos, não xiitas – e admiradores do sujeito.

Relativamente pequeno, o lugar estava cheio de pessoas interessadas. Era tudo fácil e próximo – foi possível ver que as costeletas de Malkmus estão grisalhas, e notar que ele costuma mexer o dedão do pé no meio das músicas.

A lenga-lenga é para dizer que shows pequenos ou médios – que ao que parece estão na moda – são quase sempre mais bem-vindos que megaespetáculos recheados de suntuosidade matreira. Em lugares menores não há espaço para invencionices ou truques. Cabe à música ou à obra dar conta de tudo. Há também um entusiasmo contagiante, uma camaradagem natural, por saber que a maioria ali divide a mesma expectativa que você. E as questões técnicas: um lugar modesto, mas com boa acústica, permite ouvir até o pigarro de quem canta. Diferente de um megashow, quando nuances sonoras se perdem no bafafá da multidão.

Outro ponto favorável aos "showzinhos" é a história. No Beco das Garrafas, útero da bossa nova no Rio, cabiam 40 almas. Em São Paulo, pequenos e fundamentais recintos, como Jogral e Espaço Off, ajudaram a catapultar artistas incontestáveis. O Ap 80 também teve sua glória e, hoje, a Casa do Mancha e a Casa do Núcleo dão conta do recado. Lá fora, nem se fala. Nos Estados Unidos, a história do jazz passa por lugares místicos e "não grandes" como Birdland e Village. Em Londres, Ronnie Scott e o Vortex cumprem esse papel.

Cá nas araucárias, antigos bares como o labiríntico Pandora ou o aromático Salim fizeram história e ajudaram a catapultar algumas bandas. O Korova talvez seja o exemplo mais bem-acabado: na varandinha, músicos, público e Cláudio Pimentel, o próprio dono, compartilhavam conversas, cervejas e amendoins de pimenta. A Casinha, de João Felix e Bernardo Bravo também deixou órfãos quando "pausou". Hoje, a Toca do Coelho é uma opção mais rock. O Bardo Tatára continua sendo paz & amor. E a casa de alguns mestres, como Octávio Camargo, uma grande sala de aula.

Grandes cidades que mantêm uma vida cultural intensa invariavelmente contam com pequenos espaços de cultura. São eles que mantêm a criação local ativa, que propiciam os encontros informais, as jams sessions da vida. Ao mesmo tempo, isso dá uma lubrificada na troca de ideias, tão démodé por esses tempos.

Ninguém é maluco em dizer que grandes festivais de música não são eventos sensacionais. A apresentação extraterrena do Radiohead em 2005, no Just a Fest, em São Paulo, para 30 mil pessoas, foi inesquecível. Mas era uma situação especial. Seria dessa forma se fossem 200 mil. No Brasil, festivais musicais vivem um momento de reestudo, quase de recessão. Chance para que apresentações menos badaladas, que não são capazes de atrair uma multidão, se diluam em shows mais amigáveis. Desses em que se vê o dedão do pé de quem está no palco, também se divertindo.

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