"Amor/ humor". Quando falei a Dalva o poeminha de Osvald de Andrade, ela estranhou: só isso seria poema? É poema-piada, falei, típico do começo do Modernismo, para mostrar que poesia não precisa ser séria e solene. E ali começava nossa relação de amor e humor.

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Ou melhor, já tinha começado quando nos conhecemos num bar, eu que a bares não ia mais e ela que a bares nunca ia. Vi aquela mulher dançando sozinha e feliz sem-homem, fui lá e falei, ela lembra exatamente as palavras:

– Vou ao carro trocar os sapatos e já volto pra gente dançar.

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É que eu estava com tênis ruins para dançar e tinha sapatos no carro. E, depois de novos encontros, quando ela jantou em minha casa, e nos beijamos, e a certa altura lhe falei que era melhor a gente ir para a cama, ela perguntou:

– Assim?

– Assim como?

– Sem trocar nada?

Quando cozinhamos para a família, sábado de manhã, ficamos trocando piadinhas.

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– Por que você tirou da geladeira as abobrinhas?

– Ah, só pra passear, depois levo de volta. E você vai usar esses tomates?

– Não, é só para conhecerem as abobrinhas, estavam em gavetas diferentes na geladeira.

– Certo, temos de cuidar da saúde social dos vegetais.

– É, ser leguminosamente corretos.

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Ela vai arrumar os pratos, ouço vidro quebrando, grito:

– Você conseguiu quebrar o que?

– Ah, só um prato tão assanhado que me pulou da mão!

Digo que ela faz a salada mais bonita do mundo, ela diz que faço o melhor arroz da galáxia, pelo menos até onde ela conhece.

– Realmente, sou o melhor cozinheiro e marido que você podia ter.

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– E nem tenho o trabalho de elogiar, né...

A sogra trouxe uma jaqueta que esqueci em sua casa, e aqui Dalva guardou não lembra onde. Procuro que procuro, e lá da cama ela pergunta se terá de levantar para achar.

– Pois não foi você mesma quem escondeu?

– Se eu levantar, acho num minuto.

Começo a contar em voz alta, ela levanta e acha a jaqueta em segundos. Digo que assim não vale:

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– É lógico que você sabia onde estava!

– Não, só procurei no lugar mais óbvio, o cabide.

– É que eu nunca penduro a jaqueta no cabide.

– E você acha que ela sofreu muito lá?

Ela não perde por esperar. Quando perde a chave do carro mais uma vez, e me pergunta se vi, pergunto por que:

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– Ela está de chaveiro novo?

– Não, mas deve ter criado perninhas...

Vamos ver um filme tão ruim e deprimente que, na volta para casa, resolvemos rir, e rimos, rimos.

– Que que a resenha dizia?

– Que é um filme cult.

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Cultado de mim, não resisto ao trocadilho. Ela diz que está bem de acordo com o filme.

Antes de dormir, pergunto se ela quer chá. Reforçado, ela diz:

– Pra não ter pesadelo cult.

Deitamos e ficamos rindo na escuridão. Silêncio.

– Já dormiu?

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– Mas se você deixar...

Amorumor. Bem juntinhos.