Ele é pequenininho, dois palmos e pouco de comprimento, mas como cresce em atitude!
É só passar cachorro na rua e ele, que estava cochilando deitado, adivinha ou fareja, sabe-se lá, o certo é que irá correndo cheirar o passante. Caso aprove, irá rodeando o novo amigo ou amiga, dando-lhe cheiradas e até lambidas. Se desaprovar, porém, latirá, seja lá de que tamanho for o forasteiro. Latido seco, agudo, mandando vazar, cair fora, sumir, ir embora, e o outro entende, afasta-se com o rabo entre as pernas. Dedé então dá mais uns latidos, não mais ameaçadores com o focinho para a frente, mas triunfantes, com o focinho para o céu, e volta a deitar debaixo de alguma das cadeiras do bar.
Ninguém sabe de onde surgiu. Adotou o bar, e foi adotado pelos fregueses. Dão-lhe pedaços de salgados, que ele come de preferência na mão, pois, se o pitéu for jogado no chão, ele cheira antes, olha a pessoa reprovadamente, aí come devagar. Na mão da gente, no entanto, come sem vacilar e depressa, depois senta nas patas traseiras e fica encarando, esperando mais. Ninguém deixa de lhe dar ao menos mais um pedaço, aí ele volta a deitar, parecendo cochilar, mas sempre atento. E é naturista, não come salgadinhos.
Reage a tudo que parece fora de ordem. Se alguém tropeça, late. Se alguém passa correndo na rua, late. Se alguém chega apressado, late.
E late sempre para um cidadão mulato (melhor dizer moreno, mulato pode ser etnicamente incorreto, e pardo fica muito oficial). O homem surge com sua bicicleta, Dedé late até que ele deixa a bicicleta e senta numa cadeira. Não, não é para a bicicleta que Dedé late, outros chegam de bicicleta e são bem-vindos. Desconfio que é porque o homem fala muito alto, mas, para confirmar isso, Dedé também precisaria falar.
Mas parece que fala, com os olhos, quando lhe fazemos carinho. Se fazemos com o pé, ele olha com olhos amigos. Mas, se lhe fazemos carinho com a mão, então lança um olhar derretido, e fecha os olhos, e volta a abrir para lançar outro olhar, que, pensando bem e olhando bem, só pode ser olhar de amor.
À noite, Dedé tem casinha noutro bar, onde também tem vasilha de água. Independente, come e bebe num bar, mas vive noutro. Uma senhora da vizinhança lhe dá um banho por semana. Também come na escola restos da merenda. É quando some de repente, volta hora depois, ligeiro, dá uma ronda por todo o bar, cheirando tudo, conferindo se nada mudou na sua ausência, aí deita e cochila, até a vida lhe trazer novidade.
Não é gordo nem magro. É musculosinho, isto sim. E esperto que só. Tem tantos amigos quantos são os fregueses do bar, os meninos da vizinhança, as mulheres que passam a caminho do açougue, que ele acompanha como guardião, de rabo erguido e trote saltitante.
É o mascote do bairro, dizem todos.
E eu procuro não ter inveja de ninguém, sempre pensando que o melhor jeito de ser é o jeito que somos, o que não temos, não merecemos e o que os outros têm é deles porque a vida quis assim e fizeram por merecer. Mas confesso que, de Dedé, tenho inveja. Se existe mesmo reencarnação, quero renascer Dedé.
Não conheço ninguém mais feliz com tão pouco.
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