Caetano, desde que aprendeu a andar, aprendeu a subir no sofá.
Era um desafio a escalada. Ele corria para o sofá como o sedento corre para a fonte no deserto, caindo, levantando, até se agarrar colando a barriga, braços tentando abraçar aquela imensidão.
Aí erguia uma perna, concentrado, até conseguir colocar sobre o assento, puxando com os braços até subir a barriga, tirando o outro pé do chão, quase conseguindo, mas caía.
Soltava um chorinho frustrado, mas logo voltava a tentar. Aplaudimos quando conseguiu subir pela primeira vez, e ele pulou de alegria, caiu do sofá. Mas nem choramingou, num minuto tentava outra vez.
Quando Pietro, um ano mais novo, começou a tentar, Caetano, já veterano de sofá, estendia a mão ao primo menor. Eu também ajudava, empurrando a bunda de Pietro com o pé, e, como Caetano não via isso, enchia-se de orgulho ao ver o primo também no alto da montanha de quarenta centímetros.
Mas eles cresceram e o sofá não. Hoje, correm e se jogam de longe, como os heróis da tevê. Galopam pelo sofá, trepam no encosto, que vira barranco de aventura, patamar para o equilíbrio, pico para a audácia de pular no colchonete no piso.
Não sei qual apanha mais, o colchonete ou o sofá, são dois heróis. E, entre os dois, os dois meninos pulam, gritam, rolam, riem, almofadas voam. Aproveitando uma pausa para respiração, pergunto se sabem o que a bisavó Maria dizia de moleque assanhado assim.
Ela dizia que moleque, quando pula tanto que parece macaco, é porque está com fogo no rabo!
Eles sorriem marotos, aí riem, pulando e gritando fogo, fogo, fogo no rabo!
Olho o livro de Antropologia na estante, lembro que os esqueletos de macacos e humanos são muito semelhantes, a nós faltando mesmo apenas o rabo.
Quando volto a olhar para eles, já esqueceram o sofá, estão deitados no colchonete, cobertos por lençol, quietos como se invisíveis. Rastejo, chegando perto enquanto solto um ronco de bicho, e com a mão faço bocarra a morder a bunda de um, que explode em riso, depois a bunda do outro, que rola rindo que só vendo. Embolo com os dois, em risadas rolando pela sala, até que Pietro bate a cabeça no sofá, senta choramingando. Caetano já se defende: não fui eu, vô.
Digo que foi a falecida bisa Maria, castigando pra gente respeitar os velhos móveis dela. Caetano fica olhando a vó no porta-retrato, depois sobe no sofá, cantando "marcha, soldado, cabeça de papel"... Logo Pietro também está marchando, a cara ainda lambuzada de choro.
A marcha sobre o sofá acaba quando pergunto se querem sorvete. Os dois gritam oba, digo que então devem merecer o sorvete, arrumando as almofadas e guardando o colchonete. Eles arrumam tudo ligeirinho, tomam o sorvete olhando desenho na tevê, mas logo estão de novo pulando sobre nosso velho herói, o sofá.