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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Primeira vez na Ilha do Mehl, 35 anos atrás, não existia trapiche, desembarcamos com água pelo peito, mochila no alto da cabeça, Cidão gritou:

– Ilha de Melda!

Binho corrigiu:

– Mas é Mehlda com h!

Dormimos em barraco alugado dos irmãos Valentim – Armando, Arlindo e Valdemar – que, quando não pescavam, passavam horas coçando o tempo debaixo do grande guapê ali na Prainha. Os leitos dos beliches eram de saco de estopa, tão velhos que Binho deitou e despencou até o chão.

Mas ríamos de tudo porque éramos jovens. Depois voltei à Ilha dúzia de vezes, até no inverno, porém sempre antes de ela começar a ter pousadas. Aí passei vinte anos ou mais sem ver a Ilha e... quando voltei agora, com Dalva, que susto e que surpresas!

Tem setenta pousadas! Não tem mais aqueles barraqueiros que chegavam com foice e enxada e deixavam lixo e cinzas.

Tem coletores em todas as trilhas, e ninguém mais enterra o lixo como antes, quando a gente ia enterrar e achava lixo já enterrado...

Não se vê um papel no chão! Mas também não se vê preços tão altos mesmo em Copacabana. Quando cobraram quinze reais por uma cerveja, reclamei e a resposta foi:

– É que a gente cobra os oito meses que ficamos parados!

Respondi que, a continuar assim, arriscam parar mesmo... Era a primeira quinzena de fevereiro e a ilha estava com, no máximo, meia lotação. Achei a mesma cerveja por doze reais noutro bar, e fiquei lembrando.

Numa passagem de ano, uns duzentos hipongas armamos baita fogueira na praia, mas com madeira molhada de chuva. Tentamos acender de todo jeito, com papel, álcool, gasolina, e nada. Então dançamos em redor, cantamos, dormimos na areia e, quando o dia amanheceu e quase todos tinham ido para suas barracas, sozinha a fogueira acendeu e queimou que foi uma beleza!

Um dia resolvemos assar peixe na areia. Salgamos e embrulhamos em folhas de bananeira uma dúzia de belos robalos, enterramos e botamos fogueira por cima. Quando a fogueira virou braseiro, com duas dúzias de famintos em volta, desenterramos e... os peixes estavam crus, enterrados a dois palmos de profundidade, quando o certo seriam só alguns dedos. Cidão salvou a situação, inventando sashimi com molho de limão e vodka.

Pocídio era ex-bailarino do Guaíra, vivia lá vendendo artesanato que fazia de sementes e conchas, e nos convidou para catar caranguejos no mangue, Binho foi e voltou apavorado, dizendo que lá só tinha nuvens de mosquitos e lama por todo lado!

Pocídio voltou no fim do dia, o gay mais rústico e macho do planeta, e cozinhou aqueles caranguejos num tambor, comemos durante dois dias. No terceiro dia, brotaram mais espinhas na gente que estrelas no céu. E o Cristo, dinamarquês que lá vivia de desenhar nomes nos barcos recém-pintados, sentenciou:

– Tudo em excesso é ruim.

Tomara que a ilha continue limpa e linda, livre do lixo que quase a sufocou, e com preços que não matem o futuro.

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