O anúncio de que a revista Playboy brasileira pode fechar faz lembrar meu caso com ela. Fui morar em São Paulo, entre 1984 e 1987, para ser redator de publicidade e fazer a chamada "vida literária", frequentar os círculos artísticos e editoriais, mas não fiz nem uma coisa nem outra. Sequer entrei numa agência de propaganda, e na "vida literária" só o que fiz foi jantar na casa do escritor Marcos Rey, que tinha uma cadela muito apreciadora de roer cubos de gelo no tapete.
Logo no primeiro mês descobri que podia viver como repórter da Playboy e de outras revistas. Fazia duas reportagens por mês, em duas semanas, podendo escrever literatura e fazer o que quisesse com as outras duas semanas. Lá comecei a escrever Terra Vermelha e, fazendo reportagens, fui para quase todo o Brasil.
Mas uma noite sonhei que meus filhos, que eu deixara ainda crianças em Londrina, pegavam jabuticabas encarapitados nas jabuticabeiras, como eu quando menino. De repente, alguém gritava: "Sai já daí, molecada! (como o velho dono das jabuticabeiras gritava o menino, antes de atirar com cartuchos de sal no pomar)". Mas, no sonho, meus filhos desciam para o chão, corriam para mim e... Jerônimo era abatido por um tiro fatal, depois Rita, e, enquanto Leônidas menininho corria apavorado entre os irmãos caídos, acordei.
Quando sonhei isso pela terceira vez, decidi voltar para Londrina. Antes, iria fazer uma última reportagem para a Playboy, e outro repórter, também frila, me falou na cantina da Editora Abril no bairro Brooklin: "Cara, passe a tirar notas a mais das despesas! Tuas viagens saem tão baratas que já me perguntaram porque as minhas são tão caras!"
Resolvi fazer a treta. Pedi valores mais altos nas notas de hotel e de refeições, o custo da viagem dobrou, e embolsei metade. Entreguei a reportagem e mudei para Londrina. Aqui estava, morando na casa dos pais até arranjar casa, quando me liga o secretário da Playboy, Carlos Costa, que também estava em Londrina para visitar um filho.
"Pellegrini, tuas contas da última viagem estavam bem complicadas, hein."
Fiquei tão envergonhado que não procurei a Playboy durante década. Até que resolvi propor uma reportagem que toparam. Mas o fotógrafo era fraco, os fatos não bateram com a pauta, eu não soube deslindar os nós... e a reportagem foi recusada. Comuniquei que não precisavam me pagar, mas o editor me ligou: "Vamos pagar, mesmo não aproveitando a reportagem. É padrão da Playboy, afinal nem tudo na vida dá certo".
Se a Playboy fechar, será, assim, com dignidade. E sempre ficarei grato por ter me reensinado o que aprendi com meus pais e avós, que honestidade só pode ser cem por cento.
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