• Carregando...
 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

– Oi, você é novo aqui, não é?

– Como você sabe?

– Ora, você fica em pé, como quem ainda espera alguém...

– Ora, não foi para isso que nascemos?

– Mas, depois que nascemos, querido, morremos... Aqui é o cemitério de orelhões, onde ficamos esperando decidirem se vamos ser reciclados ou se vamos apenas ficar aqui ressecando, cobertos de poeira e cocô de pombos.

– Cemitério?!

– Sim, querido, cemitério. Ou porque você acha que colocariam tantos orelhões juntos?

– Mas um menino todo dia ligava de mim para sua mãe distante, e um cego me usava para repousar na sombra antes de subir a rua e...

– Ou seja, você não estava mais servindo como orelhão, mas como guarda-sol... E esse menino, pode crer, já deve ter um celular para falar grátis via skaipe com quem quiser no mundo!

– Então... eu nunca mais vou ouvir alguém falar aquelas coisas tão bonitas? Eu te amo, um abraço, como vai, estou com saudade e...

– É, saudade todos nós temos aqui. Lembro do tempo em que nossa telefônica se orgulhava de ser a que mais tinha orelhões no país, um a cada 800 metros! Eu mesmo fui colocado lá na reserva dos índios, ouvi conversa em Tupi!

– Entupiu?

– Deixa pra lá, você é daqueles orelhões mais novos, que vieram ao mundo pós-celular, pouco ouviram, pouco viram, pobre inocente. Pois eu sou tão veterano que ouvi conversas que nem te conto, mas conto: antigamente, uma ligação para outra cidade chegava a demorar dias!

– Ué, não era melhor então ir lá falar de viva voz?

– Oh, criança, as estradas eram de terra, cheias de atoleiros na chuva e poeirão na seca, um suplício! E antenas eram só de rádio, mas você nem deve saber o que é rádio, esquece. Ou melhor, medite: meditação é não pensar em nada, esvaziar a mente, então medite que a espera pode ser longa até sermos fundidos numa recicladora ou alguém fazer o favor de nos queimar.

Silêncio. Dias de silêncio, até que:

– Ei, orelhão veterano! Tem uma novidade aqui!

– Não me diga! Alguma ligação do Espírito Santo?

– Não, um passarinho. Vai e volta trazendo uns gravetos no bico, será que vai começar aqui em mim a tal fogueira?

– Não, criança, é uma passarinha e está fazendo ninho aí dentro de você, que graça!

– Um ninho? Então...

– ...você vai ser padrinho de passarinhos, companheiro! Parabéns!

– Mas que é que eu devo fazer?

– Nada, ué!

– Mas não sei nadar! Tem orelhão que sabe nadar?

– Aqui entre nós, querido, fale baixo, veja só como todos os outros estão de orelha em pé, decerto morrendo de inveja de você. É, com inveja, porque para você a vida continua!

– Pois é, e quem sabe, se meu ninho funcionar direitinho, outros passarinhos não façam ninho em todos vocês?

–Viraríamos um orelhinhal... Deus queira. E, com os orelhões como conchas acústicas dos piadinhos dos filhotes, ah, seria a mais fônica das sinfonias! Ou a mais orelhônica. Talvez viremos até atração turística e... Que é aquilo? Uma retro-escavadeira, trator que abre buracos na terra, só pode ser para nos enterrar! Adeus!

– Mas e meus passarinhos?

– Ora, eles voam, querido, eles têm asas, enquanto nós só temos uma orelhona...

Dê sua opinião

O que você achou da coluna de hoje? Deixe seu comentário e participe do debate.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]