Ah, setembro, o mês da primavera. O chão da Praça Santos Andrade amarelo de ipê, os passarinhos todos se assanhando um para o outro, ninhos aqui e acolá e as plantas capricham nos frutos. Que sonho vira a feira.
Qualquer voltinha pelo Passeio Público na manhã de sábado rende uma cornucópia. Há promessas de ratatouille e yakisoba a cada dois passos pelas bancas. Mesmo que a chuva, essa maldita, pingue na nuca enquanto escolho os tomates. Nem tudo são flores.
Ah, setembro, o mês da independência. A disciplina alimentar não me dá trégua: a fruteira deveria estar cheia, a salada tem que ser lavada antes que murche, falta cebola nessa casa. Mas setembro é também dos farroupilhos: dane-se, império da comida fresca.
Só por hoje o giro pelos sacolões e verdureiras ficará de lado. Não há tempo.
Tenho que resolver o almoço em questão de minutos e a ironia é inescapável: fico dependente da indústria por um par de horas.
Dias antes do feriadão, a geladeira teve de ser esvaziada às pressas. Comi tudo o que pude e nesta leva foi meio quilo de tofu em dois dias.
E quando se volta de viagem, nada no congelador para salvar a refeição. A despensa geme: ai, quanta coisa por aqui.
Passata de tomates, macarrão. Cebola e alho desidratados. Melado de cana.
A horta, mesmo capenga, merece uma poda, não acham?
Dá-lhe umas folhas de manjericão. E aquela abobrinha solitária vai para a frigideira em fatias. Assim: esquentando o molho pronto com a cebola e o alho, dá para corrigir a acidez e disfarçar o gosto de coisa pronta com um pouco de melado em vez de açúcar.
É um simulacro de espaguete ao molho vermelho, mas resolve o problema.
Umas folhinhas de manjericão fresco por cima e me enganei bem.
Há quem tenha pudores em cozinhar assim, sem precisar de uma faca. Mas o prazer em economizar tempo sem ter que comer fora é maior. São Benedito, abençoa e absolve!
À noite, com um pouco mais de tempo, a cozinha implora por uma bagunça.
Sussurra: farinha na bancada, liquidificador de molho, panelas imundas empilhadas na pia e uma refeição quentinha, feita do zero, na minha pança.
Que tentação! Nego.
Não tenho energia, nem tempo hábil para limpar a sujeira.
Nessas horas penso que nem sempre é prudente obedecer à razão – só eu sei do quanto me poupo ao ignorar o grilo falante.
Saltito ao pegar atalhos, como os que trilhamos para fazer um brigadeiro: abrir uma latinha de vez em quando não deveria matar ninguém.
Eu poderia ter abusado, ter feito uma festa. Azeitona preta. Milho. Ervilha. Essas coisas todas enlatadas que duram anos estocados naquela estante mais alta.
Mas mantive a compostura – ainda falta tempo até fevereiro. Basta de pecar.
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