| Foto: Ingrid Skare/

E o nenê começa a falar. Tem gente por aí, do alto de seus 5 anos, que dá um olé em Wittgenstein e elabora sua própria teoria da linguagem. A Letícia, por exemplo, define a maturidade humana pela fala. Converso bem tati-bitati com ela: “Quem é o bebezinho da titia? Você! É sim...” E ela me corta: “Não sou não, Helena. Bebê é a Luiza. Ela é que não consegue falar.”

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Dez a zero. Lembro disso ao ler sobre a diferenciação entre “langue” e “parole” feita por Ferdinand de Saussure. O domínio dos códigos do idioma é uma coisa, enquanto o ato de falar, a vontade de se expressar, a “palavra”, é outra.

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Com pleno exercício de sua parole, a Catarina parece que vai ser bem tagarela. Já formula sentenças complexas – a gente é que não entende. Muitas trazem as partículas “eti”, “qui”, “tsim” e o preferido de todos, “tchau-tchau”. Acompanhado do indefectível abanar das mãos.

A repetição vocabular e a baixa qualidade da recepção alcançada não impedem que sua comunicação derreta corações e mentes ao redor. Aliás, ela também surpreende, puxou a Letícia. A gente tanto insistiu no “achou!”, põe paninho, tira paninho, que ela pegou o esquema e já o utiliza por si mesma. Às vezes até responde com um olhar reprovador e a correção de concordância: “achei”. Não sei de onde ela tirou essa, porque, como eu disse, fizemos um treinamento intensivo na terceira pessoa.

O pai da criança ainda não está satisfeito, quer manter conversações um pouco mais elaboradas. Algo me diz que ele não perde por esperar, dada a velocidade das mudanças observadas.

É um estalo, um momento do dia para a noite quando você percebe “Meu Deus! Ela entende tudo que eu falo”. (Medo. Será que ando falando palavrão?) E ela pega no pé se você menciona esse órgão do corpo, busca o sapato à menor menção do calçado e se esforça por repetir todo o vasto vocabulário que a cerca.

Às vezes é preciso traduzir seu jeito peculiar de falar, em que entram as variantes “tchai” e “auá”.

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A avó é que se desmancha em achá-la inteligente. Nada de ler aos 3 anos. Aos 14 meses a coruja já diagnosticou os princípios da leitura. O som produzido ao virar das páginas cartonadas da “Arca de Noé” é encantador.

Dizem que, em breve, quando os murmúrios e gritinhos virarem palavrinhas, a gente acaba percebendo nossos tiques e cacoetes na fala deles. A Luiza, já fora daquela fase em que a Letícia, categórica, a incluía na turma dos bebês, se inspirou na mãe exclamativa e juntou tudo num “Nossa Maria!”

Outras mães descobrem que usam muito “sério??” ou “na verdade...” na hora em que os rebentos as imitam. Vem então o desejo que é uma consequência natural da criação de filhos: “Preciso ser uma pessoa melhor”.