De novo. Passava da meia-noite do último dia de julho quando não se sabe quem (nunca se sabe) avançou sobre alguém na Rua São Francisco. Nas fotos do colega Gustavo Jordaky, via-se o chão branco daquele simpático Shawarma na esquina com a Presidente Faria virado num vermelho-sangue. Em outra imagem, um rapaz com curativos nos dedos e uma grande tala de gaze na cabeça praguejava porque doía. “Deu briga generalizada.” E aí a correria, da Riachuelo à Praça do Homem Nu. De novo.
No começo da noite, uma equipe da Guarda Municipal revistava o povo em busca dos biltres. A verdade é que a função foi transferida para dois cachorros: um marrom-mostarda, de pelo muito liso e sedoso; e outro que deve ser um vira-lata (tinha simpatia e malemolência típicas). Os cães fungaram o regaço de um rapaz que tocava “Tempo Perdido” ao violão. Mesmo com o movimento inesperado dos animais (que quando estão a serviço parecem um pouco mais loucos), o sujeito não titubeou. “Somos tão joooooooovens, tão joooooooooovens.” O cão seguiu caminho, guiado por um agente e seguido por outro. Os três desceram a São Francisco e o bicho não poupou ninguém. Com o nariz, indagou o que estava na sacola da moça e quis saber o que existia na mochila do rapaz.
Num primeiro momento, é possível linkar a falta de policiamento à violência. Se os guardas (e os cachorros) tivessem permanecido durante a noite toda, teríamos sangue? Ninguém sabe. Talvez pudesse ter sido ainda pior. Mas este tipo de associação é tão superficial como afirmar que quanto maior o número de “bandidos” mortos em nome do “cidadão de bem”, melhor é a segurança pública.
A barbárie generalizada em que estamos imersos, situação prestes a se tornar definitiva – e portanto o marco reconhecível do nosso tempo, aquilo que será lembrado no futuro –, é quase quântica: nasce na relação interpessoal para depois se generalizar. Perdoem o “sakamotismo”, mas o esbarrar de ombros sem desculpas, a gritaria na internet, o falar mais alto enquanto se deveria ouvir o outro, e a consequente relação disso com a corrupção, a violência e o crime (institucionalizações do mau-caratismo) não é por acaso, como um big-bang esporádico. Vivemos uma “crise de cordialidade”, como atestou Roberto DaMatta. Tudo começa no indivíduo, e por isso de nada adianta apenas cercear suas liberdades individuais.
Gira a roda e vamos falar de coisa boa: na mesma noite enluarada, encontrei Seu Luís. Ele alternava estados de consciência, ia e vinha, mas descreveu com precisão seus dias em Toledo, no Sul da Espanha; e também relembrou viagens que fez de mochilão para os Estados Unidos.
Falou sobre o banho de lama que tomou no Festival de Woodstock, aquele, em agosto de 1969.
Relembrou da façanha sem espanto. Deu detalhes sobre o gosto do barro seco. E de como foi bonita a festa, pá, com Jimi Hendrix, Joe Cocker e Janis Joplin.
Numa noite de bestialidades, loucura é salvação.
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