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 | Felipe Lima/Gazeta do Povo
| Foto: Felipe Lima/Gazeta do Povo

Quem se lembra do filminho do Sr. Walker?

Não tem uma palestra de trânsito que não mostre o Pateta completamente transformado quando entra em um automóvel. Considerado um “homem comum”, o personagem mora em um bairro tranquilo, é amável e honesto. Incapaz de machucar alguém.

Porém, quando entra em um automóvel, ele se transforma. Não quer nem saber do pedestre e do outro. Vira uma persona raivosa.

A historinha de seis minutos do personagem pode ser perfeita para tentarmos debater um pouco sobre o porquê de as pessoas – inclusive, nós mesmos – se transformarem em outras completamente diferentes quando estão por trás da tela de seus computadores, celulares e tablets, xingando o mundo como se não houvesse amanhã. Como se essa suposta distância nos protegesse e nos isentasse de responsabilidades.

Redes sociais, comentários em matérias, não importa: a internet parece uma guerra inútil, onde nem sabemos quem é o mocinho ou o vilão.

Qualquer coisa é motivo para botar para fora uma raiva que, sinceramente, não tenho palpite para apontar o que seja. “Acho que as pessoas gostam de se irritar”, vi esses dias uma colega falar. Muito provavelmente.

Vários estão irados com o governo federal, e eu compreendo os motivos. Mas qualquer notícia, e não só as de política e economia, servem para dizer que: “É tudo culpa da Dilma!”. Ariranha bebê, previsão do tempo, alta do dólar, baixa do dólar, “apesar da crise”, absolutamente tudo é usado para fazer um link e culpar a presidenta.

Lógico que às vezes o Facebook serve para a gente fazer um desabafo que talvez não faríamos ao vivo (quem nunca?). Mas é incompreensível alguém xingar uma pessoa de “nazista” simplesmente porque ela é alemã. Ou culpabilizar a vítima quando a notícia trata de abuso sexual. Nem precisamos falar do episódio recente envolvendo a apresentadora Maju Coutinho: as redes sociais só expuseram o preconceito racial absurdo que ainda impera no Brasil.

Recentemente, a página do Facebook do jornal “O Globo” compartilhou uma matéria sobre o excelente livro “Presos que Menstruam”, de autoria da jornalista Nana Queiroz. Foram cinco anos de pesquisa em carceragens e penitenciárias, que revelaram uma realidade cruel para a presa. Entre os problemas: o estado não fornece absorventes para as mulheres. Por isso, muitas usam miolo de pão para conter o fluxo de sangue.

A página do jornal ressaltava isso na chamada, e não tardaram comentários do tipo: “Se está com dó, leva pra casa”, ou “tem gente que não tem nem miolo de pão pra comer”. Como se as detentas fossem diferentes de todas as outras mulheres, e não menstruassem, nem merecessem o mínimo de dignidade.

Às vezes, converso com pessoas que lamentam o fato de a internet não ser usada para um debate de melhor nível. E que até tem esperança de que isso ocorra. Talvez. Ou não, se nos apegarmos ao exemplo do Sr. Walker: ele vira pedestre, sente todo o desrespeito, e volta para o seu carro, derrotado. Ao ligar a chave, entretanto, ele novamente se torna o motorista raivoso. O conselho do narrador da animação – “seja justo, pare de perturbar os outros” - não adianta nada.

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