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Romance: Todas as Cores do Mundo. Giovanni Montanaro. Tradução de Joana Angélica D’Ávila Melo. Alfaguara, 144 págs., R$ 24,90 |
Romance: Todas as Cores do Mundo. Giovanni Montanaro. Tradução de Joana Angélica D’Ávila Melo. Alfaguara, 144 págs., R$ 24,90| Foto:

Como nasce a arte? De onde ela procede? De onde veio a pintura de Vicente Van Gogh? De qual empurrão, de qual susto? O jovem escritor italiano Giovanni Montanaro nos oferece uma comovente versão desse nascimento em Todas as Cores do Mundo (Alfaguara, tradução de Joana Angélica d’Avila Melo). Romance narrado na primeira pessoa, em forma de carta ao pintor holandês escrita pela jovem Teresa Senzasogni — Teresa Sem Sonhos —, que o teria conhecido na juventude. Por ele se apaixonou e, por força desse amor, o levou a trocar seus desenhos escuros pela arte luminosa e cheia de cores que hoje conhecemos.

Teresa vivia na pequena cidade de Gheel, na região de Flandres, uma vila de 3 mil habitantes, dos quais cerca de mil eram loucos. As famílias foram incentivadas a adotar os loucos para lhes dar um destino. Teresa, ela própria filha de uma mulher considerada louca, e embora absolutamente lúcida, é adotada pelos Vanheim. Para facilitar os procedimentos de adoção, os pais atestam sua suposta loucura. Parece uma jovem qualquer, sem uma história pessoal. Mas, como ela mesma diz a Van Gogh: "No fundo, não há ninguém que não tenha uma história. (...) A todos acontecem o amor, a noite, o silêncio; a todos acontece a traição das coisas belas e desejáveis".

Aos 26 anos de idade, uma década depois de conhecê-lo, Teresa escreve uma carta a Van Gogh rememorando não só esse encontro, mas toda a paixão que o envolveu. "Não estou certa de que esta carta será lida algum dia. Não sei se terei coragem para fechar o envelope e enviá-la", ela diz. Ainda assim, uma força a impele para a rememoração. Ela precisa recordar o que viveu e essa urgência a empurra para escrever — a leva a criar. "Devo tentar compreender por que tudo me aconteceu, ter certeza de que tudo aconteceu, de que eu fui a mocinha que hoje não sou mais". Sua mãe, conhecida apenas como "a velha Sem Sonhos", era uma mulher desprezada. Um dia, engravida. "Era só uma louca, senhor Van Gogh. Mas tenho certeza de que desejou a criatura que trazia no ventre". Ela, Teresa, que herdaria o sobrenome Sem Sonhos e o enigma que o cercava.

A velha não conseguia dormir, nunca dormia, e por isso passou a ser chamada de Sem Sonhos. A filha herdou sua posição "torta" diante do mundo e sua visão enviesada das coisas. "Era a pergunta que eu sempre me fazia quando menina: como pode, de um tronco marrom, surgir uma maçã amarela?" As cores, desde cedo, a fascinavam — e é essa paixão que ela vai transmitir ao jovem Vincent que, vagando pelo campo, chega um dia, sem querer, a Gheel, no norte da Bélgica. Naquela tarde, era esperada a chegada de um novo louco. Um acidente na estrada impediu, porém, que ele prosseguisse viagem. O jovem Van Gogh toma seu lugar.

Vincent amava a solidão. Escreve: "A timidez serve para algo, e até o desânimo serve para algo, e às vezes é um bom meio de nos garantirmos a solidão necessária para podermos nos dedicar a alguma questão que nos preocupa". Jovem enigmático, ele traz um laço secreto com Teresa que, um dia, sem saber que fazia isso, previu um grande acidente em uma mina de carvão e passou a ser vista como uma garota capaz de ler o futuro. Talvez o acidente — escuridão das escuridões — a tenha alertado a respeito do valor das cores. "Até a morte tem uma cor própria, pensei. Toda coisa tem sua própria cor".

É essa lição das cores que, um dia, ela transmite ao jovem Van Gogh, prevendo que ele viria a ser um pintor célebre. Esse é o grande segredo e a grande recordação de Teresa: sua paixão por Vicent. "Por que sempre dói tanto recordar?" — ela se pergunta. Teresa reconhece em si mesma esse pacto com a loucura que caracteriza, também, seu amigo pintor. Sabe que é diferente dos loucos. Mas sabe que, de alguma forma, também é louca. "Sou diferente, senhor Van Gogh, porque não tenho aquele olhar perdido, nem os cabelos desgrenhados, não dou risadinhas enquanto rezo, não chio enquanto falo (...). Mas sou igual, por certezas vezes também tenho vontade de sair dali, e sinto impulsos de gritar que algo não é justo".

Teresa aprende, aos poucos, o valor de ser uma pessoa inconfundível. "É uma coisa que me faz sofrer hoje, sentir-me tão única, tão diferente de todos". Mas essa é também a origem de sua alegria e de sua forma ímpar de abraçar o mundo. Ao ver os desenhos de Vincent, Teresa percebe sua genialidade, mas também o passo que lhe falta para chegar até ela. "Então compreendi tudo, senhor Van Gogh. Mas compreendi que lhe faltava alguma coisa para se tornar um pintor". Faltavam as cores. Confessa ao amigo: "Eu me espanto com a quantidade de cores que existem". E o convence a experimentá-las — levíssimo empurrão que impulsiona Van Gogh para sua arte.

Teresa lhe dá a primeira tela e o primeiro conjunto de tintas coloridas. Vincent diz: "Você é bem estranha, Teresa". Ela reage: "E o senhor?" Van Gogh medita calmamente: "Não me importo por ser estranho". Teresa conclui: "Eu também não. Percebe que somos iguais?" Ainda agora, aos 26 anos, mulher madura, Teresa tem dúvidas se fez o certo ao lhe dar as tintas. Um resto de dúvida sempre permanece. "Não sei por que fiz aquilo. Talvez só quisesse ajudá-lo. Talvez, quem sabe, não o tenha ajudado nem um pouco". Ela ainda não tem clareza a respeito de seu ato. Não sabe o que fez — e as melhores coisas se fazem no escuro, em um encargo só dos sentimentos, e sem objetivos nítidos. Lembra que lhe disse: "Em minha opinião, o senhor será pintor". Agora, modesta, recorda: "Eu estava apenas lhe indicando a direção a tomar para chegar à sua pátria; para alcançar, finalmente, o país das cores".

O que há de mais comovente na história de Giovanni Montanaro é a inocência. Sem saber o que faz, sem desejar fazer, Teresa impulsiona o tímido e turbulento Vincent para seu destino. Leva-o a descobrir que o importante não é reproduzir a natureza, mas pintar aquilo que se descortina em sua mente. "Não me importa que a cor seja exatamente aquela que vejo, desde que fique bonita na tela, tanto quanto na natureza". Dessa ruptura, em que o olhar do artista se torna mais forte que qualquer outro elemento, a arte enfim nasce.

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