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Contos

Bestiário

Júlio Cortázar. Tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman. Civilização Brasileira, 128 págs, R$ 24,90.

Última semana de julho de 2013, a semana da morte de minha mãe, Lucy. Copacabana — onde tenho meu apartamento carioca — está tomada pelas cerimônias da visita do papa. Multidões nas ruas. Gritos, cantos, sirenes, helicópteros. Para digerir meu luto, apego-me à literatura e a um dos livros que mais me marcaram, do (também ele) argentino Júlio Cortázar. Trata-se de Bestiário (Civilização Brasileira, tradução dos amigos Paulina Wacht e Ari Roitman), reunião de contos publicada em 1951, o ano em que nasci. Coincidências, paralelos, sincronias: materiais que definem a ficção de Cortázar.

Detenho-me em "A Casa Tomada", o relato que abre o livro. Um conto que li pela primeira vez aos 17 ou 18 anos, em uma velha edição de bolso da Sudamericana, de que nunca mais me esqueci. Uma história simples, embora misteriosa, e ainda mais: opressiva. Uma história que em muitos pontos se relaciona com os tempos em que eu mesmo vivo. Em que nós todos vivemos.

O narrador e a irmã, Irene, vivem sozinhos em um velho casarão de Buenos Aires, onde guardam recordações familiares que procedem dos bisavós. A casa, imensa, é dividida ao meio por uma porta de carvalho. Sem necessidade de tanto espaço, os irmãos se limitam a usar metade da casa. Um dia, começam a ouvir ruídos enigmáticos do outro lado da porta. Só têm o tempo de fechá-la. "Felizmente a chave estava do nosso lado e também puxei o grande ferrolho para dar mais segurança".

Paralelos: multidões nas ruas de Copacabana, ruídos, alegria, otimismo, enquanto, do outro lado da porta de meu apartamento, me agarro a meu luto e a meu Cortázar. Os dois irmãos não dramatizam a tomada da metade do casarão. "Então vamos ter que viver deste lado", Irene constata. Eu também me conformo com as filas imensas na padaria, os restaurantes cheios, a multidão que me espreme pelas calçadas. É preciso aprender a conviver com o real. O real é isso: é indiscutível (a morte de minha mãe). É definitivo (a morte de minha mãe). O real se impõe como uma porta trancada que nos isola de um lado do mundo.

Não sou católico, não tenho religião. Declaro-me agnóstico: a dúvida está no centro de minha existência. Ela é o meu caminho. Ainda assim, comecei por sentir simpatia pelos grupos de jovens que, entusiasmados, ocupavam as ruas de meu bairro. Mas logo — como no conto de Cortázar — me dei conta: Copacabana, onde nasci em fevereiro de 1951, não me pertencia mais. Não me pertence mais. Não só pela visita do papa: Copacabana se transformou em um palco. Tornou-se o palco do Brasil. Agora, sempre que estou no Rio, vivo em um palco. Ou me protejo, espremido — como o narrador de Cortázar e sua Irene —, em algum canto dos camarins.

Sempre tentamos compensar nossas perdas com ideias que as substituam. Compensei a perda de minha mãe com a ideia de que ela, enfim, se livrou de uma dolorosa doença. Compensei a opressão que senti em Copacabana pensando que, enfim, ficaria alguns dias em casa debruçado sobre meus livros. Não se pode ter tudo. O narrador de Cortázar deixou, do outro lado da porta de carvalho, os livros de literatura francesa que tanto amava. Irene sentia falta de umas pantufas que a protegiam do inverno. "Mas também tivemos vantagens", luta para pensar o personagem argentino.

Na nova rotina, mais opressiva, Irene se acostumou a ir com o irmão à cozinha para preparar pratos frios para o jantar, enquanto ele cuida do almoço. Perdido com a ausência de seus livros franceses, o irmão preenche esse vazio organizando a coleção de selos do pai. Sempre nos acostumamos a tudo e — o que é talvez mais escandaloso — nos acostumamos a não pensar no que perdemos. (Embora, desmentindo isso, o rosto pálido de minha mãe não saia de minha mente.) "Estávamos bem e pouco a pouco começamos a não pensar. Pode-se viver sem pensar", o narrador conclui. Mas será isso viver — não pensar? Viver sem recordar será mesmo viver? Sem a perspectiva das lembranças, as coisas não perdem o sentido, o sabor e o tom?

Até que, um dia, o irmão ouve um barulho de seu lado da casa. Não mais atrás da porta, mas à sua frente. "Ficamos ouvindo ruídos, percebendo claramente que eram deste lado da porta de carvalho, na cozinha e no banheiro, ou no próprio corredor com a virada quase ao nosso lado". A invasão deixa de ser exterior e se torna interior. Já não há mais espaço para fugir: também dentro de nós a casa está tomada. Foi o que comecei a sentir com o passar de meus dias em Copacabana. A própria imagem de minha mãe morta começou a ficar um pouco espremida, um pouco isolada em um canto de minha mente. A zoeira das ruas invadia tudo. Sobretudo depois que, com a chegada de manifestantes, surgiram os enxames de helicópteros.

Os dois irmãos fogem. Só têm a roupa do corpo. Algum dinheiro ficou guardado em uma cômoda inacessível. "Como ainda tinha o relógio de pulso, vi que ainda eram onze da noite". Vão para a rua. Não para participar de uma invasão alegre e otimista — mas para escapar dessa invasão. Os invasores não são agressivos: não parecem ser ladrões, drogados, criminosos. Pode ser uma invasão feliz: mas é uma invasão. Ao sair, o irmão ainda tranca a porta de entrada e lança a chave em um bueiro. "Sabe-se lá se algum pobre diabo não cismava de roubar e se metia dentro da casa, a essa hora, e com a casa tomada". Roubar algo que já não era seu. Algo que já não lhe pertencia. Invadir e assaltar o palco em que o velho casarão fora transformado.

Não vivo em um velho casarão, mas em um apartamento de três quartos do oitavo andar de um prédio dos anos 1940. Encolhi-me com meu Cortázar no quarto dos fundos, o de hóspedes. Liguei o ar condicionado, embora não fizesse calor, para me proteger do ruído externo. Agarrei-me a meu Bestiário e nele me tranquei. Eis algo que ninguém pode me roubar: um livro. Fiquei pensando que Copacabana se transformou em uma espécie de cidade cenográfica. Todos na cena do real. A literatura, mais que nunca, se transforma em meu abrigo. Nela, não passo de um personagem de mim mesmo.

Para digerir meu luto, apego-me à literatura e a Bestiário, um dos livros que mais me marcaram.

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