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Na dedicatória do exemplar autografado que me enviou de seu novo livro, O Amor e Depois (Iluminuras), a poeta Mariana Ianelli resume, sem meias palavras, seu próprio trabalho: "a esperança que aprendi com as ruínas". É doloroso, mas a corajosa Mariana está correta. É quase sempre de algum destroço, de algum resto de ideal, de alguma sobra quase inútil que os melhores poetas arrancam seus versos.

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Em "Dueto", numa difícil definição do amor, ela escreve: "Nosso segredo de câmara/ (como o de tantos casais)/ seria o acordo de calar um morticínio". Não só para escrever poesia, como também para amar, muita dor deve ser suportada. É preciso sustentar um pouco, como ela nos diz ainda, uma "farsa consentida/ uma legião de demônios/ a cada gesto vagamente ambíguo". A poesia exige um acordo de alto risco entre a vida e a palavra. Também no laço amoroso, se digo "eu te amo", muita coisa ainda assim escapa, e um tanto de deformação (de mentira?) toma o seu lugar.

Mariana não adoça as coisas, não ameniza. Não escreve para enfeitar o mundo, mas para apontar suas feridas, seus buracos, seus defeitos e, até, suas partes inaceitáveis. A poesia (como o amor) é também perseguição. Está em "Instinto", com todas as terríveis letras: "Porque um dia te chamei/ para sempre me persegues". Vê o amor como um remanso que nos toma aos poucos, mas à força, ameaçando chegar à boca – beijo que é, ao mesmo tempo, afogamento. Também o poeta se afoga das palavras que ousa escrever. Elas estão, sempre, muito além dele e de suas forças. Elas o ultrapassam e, em um ricochete, retornam para feri-lo. "Infinitamente mais escuro/ e raptor, teu beijo é ósculo". Ele pode ser, de igual modo, uma carícia traiçoeira.

Todo poema (como todo grande amor), acrescenta Mariana em "Fantasia", costuma vir "depois da grande decepção". Há uma depressão anterior – como um longo deserto em declive, que devemos atravessar, sozinhos e oprimidos – até que se chega, enfim, ao verso. Até que se chega àquilo que vem depois da paixão: o amor que merece esse nome. Muito mais fácil é a fantasia da paixão, com seus cumes envoltos em névoa (cegueira) e em deslumbramento (perfídia). Dessas alturas, porém, se chega à retórica, não se faz poesia. O poema (o amor) só surge depois da experiência da descida, "mesmo que te doendo como a um animal/ perdido, arremessado no vazio de um campo".

Os poetas "da linguagem", que colocam à frente do sentido o jogo de palavras e a manipulação vazia dos sons, são incapazes de chegar ao ponto desde onde Mariana Ianelli parte. Não sustentam a travessia – preferem ficar com os malabarismos. O problema da poesia, como o do amor, é o "depois". É a direção – o sentido, mais uma vez. A lógica do sentido é flutuante, não se deixa capturar, não se fixa em palavras. A esperança, inútil fantasia, sugere Mariana ainda no mesmo poema, é que "pudesse vingar pura a criança". Criança que habita um tempo anterior à linguagem – nossa grande arte, mas, ao mesmo tempo, nossa condenação. Pureza que não há, pelo menos em nós, seres falantes.

Um poema como "Potsdamer Platz", inspirado em Asas do Desejo, o filme inesquecível de Wim Wenders, abre com uma significativa citação do cineasta: "Não desisto enquanto não encontrar a Postdamer Platz". A busca da "claridade do desejo" simbolizada pela praça localizada no coração de Berlim. Mas terá essa busca uma solução? A busca feita por alguém (o poeta) "tentado a desistir", mas que ainda assim "não desistiu". Não chegar, porém, não significa que não se deva ir. Não encontrar não significa que não se deva procurar. Ao contrário: é só porque não encontramos que prosseguimos na busca. Encontrássemos, e o tédio nos tragaria. Sabedoria do poeta: perseverar na perseguição do sentido, mesmo com a consciência de que ele é inacessível. Se é que ele existe – porque o mais provável é que tenha que ser inventado.

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Poetas lidam com o pouco e precisam se contentar com ele. Com o quase nada. Diz-nos Mariana no belo "Carta de Chankay": "Esse pouco roubado de uma urna/ é quanto basta". Tem que bastar, ou nada se escreve. Poetas trabalham com esse "restante de partes desencontradas". Quem busca o compacto e o total não escreve poesia, pois ela se faz do frouxo e do desencontro. Poemas são "fragmentos revolvidos, misturados/ ao prazer de ver nascer uma verdade". Que verdade? "A verdade de uma carta/ que escamoteia um século". Uma verdade que, em vez de acrescentar e fechar, rouba e subtrai. O poema nos leva à verdade incompleta, que o poeta (como uma chave torta) tenta lacrar, sem sucesso. Mas seu ruído (seu som) nos fica. Eis a lírica, que nada tem de suave, ou de reconfortante, mas que range e incomoda.

O poema deve persistir como "um lamento mais potente do que a mágoa". Um lamento, um canto: a lírica da dor. Assim escreve Mariana Ianelli: com a postura de quem resiste. Escrever poesia é resistir aos aduladores da verdade. É colocar-se em posição de risco. É clamar: vem verdade, mas eu duvido do que você anuncia. Por isso, para escrever poesia é preciso mais que coragem: a da persistência. Persistir na busca do sentido inexistente, agarrar-se a essa busca, fazer da palavra seu caminho. Assim se afere um poeta: por sua teimosia. E Mariana é teimosa. Seus versos escorrem feito a água, que teima em pingar mesmo ali onde, com a cola mais grossa, o mundo se veda. Aquilo que insiste, apesar de: eis o poema.

Mariana Ianelli sabe disso. Escreve não "apesar disso", mas "justamente por isso". Resiste ao grande encanto da beleza fácil, que hoje desfila nas passarelas, outdoors e vídeos. Veja-se sua fotografia no fecho do livro: ela nos encara com um sorriso furioso. Não de deboche, não de ironia, mas de coragem. Traz no rosto a insistência de seus poemas. Faz da poesia a sua face. Está em "Mirada": "Não ficou uma só alma atrás da porta/ nem as portas ficaram/ (...)/ A vida agora acontece em outra parte". Que lugar é esse, senão o poema que, em um mundo que se desvanece, sustenta e ama aquilo que, por desistência e arrogância, já não conseguimos viver?