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Já ouvi muita gente reclamando da quantidade de lixo que, via internet, é atirada em nossos endereços de e-mail. No meu caso, passo mais tempo apagando ofertas as mais diversas do que lendo coisas que realmente me interessem. Mas não culpo a internet, por quem tenho simpatia por inúmeras razões.

Pensem na velha caixa de correio, aquela junto ao portão de casa, que desde sempre foi atacada por papelórios das mais diversas origens. Em épocas de eleições ou de liquidações – duas coisas semelhantes, aliás – elas eram entupidas com panfletos, sem falar nas ofertas de encanadores, consertadores de telhados e arrumadores de portões eletrônicos. Tudo isso já enchia as caixas de correio e ninguém culpava a existência delas pela invasão de privacidade.

Mas há outra acusação à internet que me parece também imprópria, ainda que mais grave. Trata-se da ideia de que hoje temos informação demais à disposição das pessoas, o que complica as cabeças já não muito ordenadas dos habitantes do século 21.

É até verdade. Ouvi, para citar um caso, um jornalista carioca muito conhecido comentando que o mal da internet resulta do fato de que hoje qualquer um pode acessar textos os mais diversos, pois obras antes de raro acesso estão ao alcance de qualquer um que saiba clicar um mouse.

Isso tem cheiro de preconceito. O que estraga a circulação de ideias na internet é a falta de hábito de não se checar as informações. Falta um aparato crítico de leitor. Um texto escrito por um desses fazedores de palestras de autoajuda circula na rede como sendo de Aristóteles. Ora, Aristóteles falando em sucesso pessoal é no mínimo surrealista, senão um disparate. Equívoco que tem a ver com a falta de preparo de quem acessa a informação, não com o meio, que apenas tornou tal acesso mais fácil.

Por outro lado, esse tipo de comentário esquece um detalhe. A internet não criou os textos hoje disponíveis nela. Os textos – seja uma comédia de Molière ou algumas piadas do Costinha – já existiam e estavam disponíveis em bibliotecas, arquivos de jornais etc. A diferença é a facilidade de acesso, não a existência de uma multidão de informações. A multidão infinita de informações é de sempre. E é muita. Diz-se que Aristóteles, aliás, foi o último sujeito que pode ler tudo que se publicara até sua época. Duvido.

Consultar livros em bibliotecas, porém, demanda tempo, deslocamento, certo conhecimento de como uma biblioteca funciona etc. Em muitos casos, nem isso basta, pois alguns documentos, tais como edições fac-similares, manuscritos, mapas, fotos, arquivos etc., só podem ser consultados em Paris ou Estocolmo. Com a internet, porém, é agora possível dar um passeio virtual pelo Louvre ou consultar obras raras recolhidas por José Mindlin.

Quero dizer uma coisa simples. As obras, a infinidade de documentos, já existiam e dormitavam nas bibliotecas. Hoje, caso tenham sido disponibilizadas, podem ser acessadas em tese de qualquer parte do mundo.

Não entendo, portanto, restrições a um meio – a internet – que afinal facilitou o acesso à informação, seja ela de que natureza for. A escolha de sua natureza e o uso que se fará de tais documentos, dependem do usuário, do leitor. Se despreparado, copia um trecho de Platão e coloca embaixo a assinatura do Paulo Coelho – ou, pior ainda, não vê diferença entre o filósofo grego e o autonomeado bruxo. Mas nada disso tem a ver com a Internet e sim com o preparo (ou falta de) quem a usa.

Todo sujeito que começa a se interessar por livros e leitura, alimenta num certo momento a fantasia de ler todos os livros do mundo. Wilson Martins confessou que passou por essa fase. Descobriu mais tarde que era uma impossibilidade. Livros e documentos existem numa quantidade impressionante e, consideradas as limitações humanas, são infinitos.

A verdade é que diante da infinidade de estímulos possíveis, precisamos selecionar aquilo que num dado momento nos interessa. Caso eu esteja pregando um prego, preciso recuperar informações a respeito do prego, da madeira e do martelo – e dos perigos que o uso destes três ao mesmo tempo pode acarretar. Quando pretendo ler um texto, preciso avaliar sua autenticidade, sua importância relativa, o contexto intelectual de seu autor, a época em que foi escrito etc.

Portanto, educação não é empilhamento de informações. Se não disponho de um aparato crítico, acabarei acertando uma martelada no dedo.

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