• Carregando...
 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Dolores se viu no espelho.

Deu um passo para trás, virou o rosto para a direita e para a esquerda. Alisou o pescoço, sorriu, fez uma careta. Concluiu que precisava de uma arrumação na pele. Aliás, não só na pele, mas no corte e na cor dos cabelos, nas roupas que usava, no desenho das sobrancelhas.

E, sem a ajuda do espelho, decidiu que precisava recauchutar seu próprio nome.

Aquele nome a incomodava não era de hoje. Há anos pensava em trocá-lo por outro, mais vivo, mais alegre, que combinasse com ela. Não se sentia na pele de Dolores alguma, menos ainda daquela Dolores na qual se tornara. Mas qual seria a Dolores na qual se tornara? Não sabia. Passou o dia inteiro pensando naquilo e só ao final da tarde lembrou-se de uma entrevista em que uma atriz explicava como mudara de nome e de vida consultando uma numeróloga. Era isso. Procuraria uma numeróloga. Começaria por aí.

Esqueceu o assunto por dois dias e, na manhã do terceiro dia, ao ver-se de novo no espelho, resolveu: era hoje. Conseguiu o telefone da numeróloga com uma amiga, marcou hora e lá se foi. Era pra lá de Campo Comprido, pois esse pessoal que lê cartas, tarô e lida com numerologia costuma morar longe.

A mulher – gorda e grande, com um turbante escandaloso e lábios vermelhos – anotou seu nome, sua data de nascimento, fez umas contas e decretou:

– Tem razão. Esse nome não combina com você. Serve para outras mulheres, mas não para você. Dor, Dolores, não pode dar certo. Por isso continua solteira.

– Solteira e infeliz, comentou, penalizada consigo mesma.

– É esse nome... Lembra da Dolores Duran?

– Lembro.

– Um caso parecido. Vamos dar um jeito. Não há o que a ciência da numerologia não conserte.

Saiu de lá faiscando de felicidade com as indicações da numeróloga, que lhe mostrou cálculos, números cabalísticos, consultou as cartas do tarô e remexeu nas letras de seu nome até chegar a uma conclusão. Anotou seu novo nome num papelzinho. Ele abriria seus caminhos rumo ao sucesso e à felicidade, afirmou a numeróloga. Recomendou que o papelzinho fosse guardado por sete dias junto ao seio.

Estava selada a mudança. Agora se chamava Lory.

Mas não ficou nisso. Sentindo-se uma nova mulher, trocou de cabelereiro e de corte de cabelo, fez um tratamento de pele doloroso, arrebitou o nariz, apertou as narinas e estufou os lábios com um cirurgião plástico, o que lhe custou uma fortuna. Mas estava feliz. Quando se sentiu livre das marcas da plástica, foi ao shopping. Queria exibir ao mundo e a todas às amigas a sua transformação.

Andou de um lado para outro, enfrentou corredores, entrou e saiu de lojas que costumava frequentar esperando ser admirada pelo novo nome, pelo novo rosto e pelo novo destino. Mas aquele povo estava ocupado em vender e faturar. Ninguém notou nada.

Foi quando ouviu um grito:

– Dolores, minha querida!

Era Clara, amiga que não via há algum tempo.

– Que bom te encontrar, Dolores!

Clara examinou-a de alto a baixo e, antes que pudesse revelar que agora se chamava Lory, a amiga lascou:

– Que beleza, Dolores! Você não muda nunca!

Ela desabou nos braços de Clara, aos prantos.

Dê sua opiniãoO que você achou da coluna de hoje? Deixe seu comentário e participe do debate.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]