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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

– Eu sou um homem triste.

Quem dizia isso, com voz sofrida e rouca, era um homem pequeno, que ali pelas seis da tarde já estava sentado na mesa dos fundos do bar do cego Tião, de onde só saía depois de abater diversas cervejas e comer muitos rollmops.

Nada se sabia dele além daquela reclamação lamentosa:

– Eu sou um homem triste.

Sendo o boteco do cego Tião, aqui no centro da Vila, um lugar de altos debates e vastas especulações, sempre havia alguém levantando hipóteses sobre a origem de tão desesperada tristeza.

– Tem mulher na história, opinava Laurinho Telefone.

– Por quê? – queria saber Luiz Borracheiro.

– Sempre tem mulher no meio de histórias assim.

– Pura hipótese – aparteava doutor Asclépio Plúmbeo Da Vênia, o causídico da Vila, dado a erudições.

– Pode ser – retrucava Laurinho, sorrindo – Assim como a Teoria da Relatividade, da Evolução, das Cordas, do caminho inevitável para o socialismo.

Desabava então um impasse no ambiente. Todos ali sabem, de tanto especular entre goles de pinga e copos de cerveja, que são inúmeros os impasses do conhecimento humano, entre eles as razões que fariam daquele homem um ser tão infeliz.

E havia um complicador. Dele só sabiam o nome, Toninho, dito Tonin. E sabiam disso não porque ele o dissesse, mas porque era assim que um menino o chamava ali pelas onze da noite:

– Seu Tonin, onze horas.

Ele atendia – donde se concluía ser esse seu nome – pagava a conta ao cego Tião, que não perdoa despesa nem dos homens mais tristes do mundo, e saía ao lado do menino como quem se apoia numa bengala. Atravessava o pontilhão sobre o rio Belém, dava umas pequenas paradas, respirava fundo, e seguia em frente. Quando alcançava o outro lado do rio, virava-se na direção do boteco e gritava:

– Eu sou um homem triste!

E sumia na escuridão, motivo pelo qual não se sabia ao certo onde morava, talvez nem ele soubesse, pois era conduzido pelo menino a seu destino.

– Deve ter havido uma tragédia na vida dele. Perdeu a família – opinava cego Tião, que costuma enxergar melhor os sofrimentos humanos do que seus fregueses.

– Que nada. É só cachaça. – debochava Luiz Borracheiro – Cachaça. Por isso só bebo cerveja.

– Mulher, é mulher, insistia Laurinho.

– Dinheiro, isso é que destrói um homem, argumentava doutor Asclépio, espantando aos tapas as caspas do ombro curtido de seu sobretudo negro.

E assim como havia frequentado o boteco durante vários anos, sem revelar mais do que seu nome, um dia o homem triste sumiu sem deixar rastro. O menino também sumiu. Nunca mais veio procurá-lo às onze da noite. Mas não cessaram as especulações, que se tornaram tão obsessivas que um dia o cego Tião, irritado com tanta teoria, encerrou a questão como era seu hábito: deu uma pancada com o porrete disciplinador que deposita na prateleira do boteco e decretou:

– Chega de explicações inúteis! – e, vasculhando o boteco com seu olhar vazio, perguntou – Qual a razão de tanto espanto? Me digam uma coisa: quem aqui não é triste?

O silêncio que tomou conta do boteco poderia ser apalpado – e era assim que cego Tião via todas as coisas do mundo.Dê sua opiniãoO que você achou da coluna de hoje? Deixe seu comentário e participe do debate.

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