Caminham lentamente, a passos estudados, pelo jardim. Todos os dias o mesmo trajeto, após o almoço. Ajuda a digestão, segundo ela. Dá sono, diz ele, que logo irá tirar uma soneca.
Cê lembra do hotel, amor?
Lembro. Hotel... Pedro... Paulo... Esqueci!
João. Dom João VI.
É mesmo? Pensei que fosse um papa.
Só se fosse o Alexandre VI...
Por que?
Não sei. Lembrei dele.
Ora, Amábile. Você está enganada. O hotel se chamava Roma. Por isso a gente achou que era um Papa.
É mesmo. Até brinquei que era amor ao contrário.
Cê lembra disso?
Acho que sim.
Cuidado com o degrau.
Amábile se apoia no braço de Geraldo, vence o degrau.
Gramado é uma bela cidade, não é?
Não era Gramado. Era Canela.
Sempre achei esse nome muito estranho.
Uma cidade ali perto.
Eu juraria que era Gramado.
É por causa da propaganda. Só se fala em Gramado.
Mas por que a gente está falando nisso?
Sei lá!
E o que nós fomos fazer naquele hotel?
Ora... lua de mel, não foi isso?
Não foi depois?
Antes é que não foi. Os tempos eram outros, Amábile.
Estranho. E ficamos quanto tempo lá?
Uma semana.
Meu Deus, naquele fim de mundo! Fazendo o quê?
Nem lembro. Cuidado com o canteiro!
Ela dá uma paradinha, coloca aos pés no rumo certo, evita o canteiro.
Vou pedir ao Felipe para acertar essa curva do canteiro.
O Felipe já morreu, Amábile.
Estou falando do jardineiro, não do nosso dentista.
Claro! Felipe, o jardineiro. Tem nome de rei, aliás.
Rei Felipe III.
Quem foi Felipe III?
Não sei. É como esternocleidomastoideo.
De onde tirou essa?!
Sei lá! Coisa do ginásio. A gente lembra nem sabe como.
De vez em quando também me lembro de coisas antigas.
É, mas não precisava confundir o dentista com o jardineiro!
Ué, e você, que nem sabia o nome do hotel?
Param no portão. Um homem passa pela calçada segurando um guarda-chuva.
Veja só. Um sol desses e o sujeito com guarda-chuva.
Esse mundo tá perdido!
Desde os tempos de Felipe III!
Deixe sua opinião