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Noturno de Havana (Ed. Seoman) me lembra outro livro a respeito da ilha de Fidel – Viagem ao Crepúsculo (Ed. Casa das Musas), do jornalista pernambucano Samarone Lima sobre o qual escrevi há cerca de um ano. Noturno é do jornalista norte-americano T. J. English, autor com alguns prêmios no currículo. Não é um livro brilhante e a edição brasileira tem uma desvantagem: a tradução é sofrível e a revisão é troglodita. Mesmo assim, povoado de personagens hoje míticos – Albert Anastasia, Lucky Luciano, Meyer Lansky e, que não se perca pelo nome, Santo Trafficante, tendo como atores coadjuvantes nada menos que Frank Sinatra e George Raft – o livro de English merece ser lido.

O que pode ligar essas duas obras é o que as afasta no tempo. Viagem ao Crepúsculo, de Samarone, é pós-Fidel: fala dessa Cuba que o mundo acompanha há cinquenta anos e que para muitos de nós foi objeto de debates acalorados, quando não de pugilatos explícitos. Samarone mostra um país que, depositário de tantas esperanças, se desfez sob o tacão do autoritarismo, do dirigismo e do sectarismo. Um sonho desfeito. Num país como o Brasil – onde nada se discute, onde ninguém toma posição intelectual sobre nada, motivo pelo qual os debates sobre Cuba costumam não passar de uma descarga convulsiva de preconceitos –, ilumina os impasses a que chegou a Cuba de Fidel.

Já o livro de T. J. English se encontra na outra ponta da história: pré-Fidel. Trata do sonho da uma ilha tropical onde tudo é permitido – a Cuba dos cassinos sob o controle da máfia, o país de Batista, o ditador fanfarrão, visto com bons olhos pelos Estados Unidos. Um mundo de fantasias, de luzes e delírios, de boates e shows, de grandes festas, de jogatina, com a música de fundo sob a batuta de Pérez Prado e sua orquestra.

Essa Cuba pré-Fidel foi gestada muitos anos antes por duas figuras do submundo: Lucky Luciano e Meyer Lansky. Luciano, que vivia contrariado em seu exílio na Itália, chegou a Cuba para se reunir com Lansky, um baixinho de 1,60 metro também conhecido como Little Man. Encontraram-se no Hotel Nacional e redesenharam seus antigos planos.

Perseguida nos EUA, a máfia tinha como objetivo se estabelecer em Cuba como base de ações criminosas, plano que vinha dos anos 1920, quando se tornara rota para o tráfico ilegal de bebidas. Luciano e Lansky não foram os primeiros mafiosos a chegar a Cuba. Al Capone teve essa primazia. Ele gerenciou seus negócios entre charutos, assassinatos e audições de Enrico Caruso, seu cantor preferido.

No entanto, é com Lansky que essa Cuba florescerá nos anos dourados de 1952 a 1959. O país gozará então de um crescimento extraordinário. Grandes hotéis-cassino, boates, turismo, estradas, luzes de néon, mambo, drogas e sexo. Tal "crescimento", no entanto, serve apenas para mostrar que a festa se destinava a uma minoria de estrangeiros e nacionais agregados, além de uma multidão de turistas. A grande massa da população estava à margem, vivendo na miséria, em casebres, sob o tacão de Batista, El mulato lindo, que amealhava US$ 1,5 milhão mensais para manter o quintal em ordem.

Estava armada a festa dos anos dourados de Cuba, a projetada Monte Carlo do Caribe. Foi nesse ponto, o país mergulhado em corrupção, tráfico e jogatina, que apareceu Fidel, de início ignorado por Batista e pelos mafiosos, que não o levaram a sério até o último momento, quando fugiram da ilha levando dólares em maletas e abandonando fortunas acumuladas com base em atividades criminosas. Não foi sem motivo que Rolando Masferrer, assassino de aluguel e senador cubano, tentou por duas vezes matar Fidel. Depois, quando a situação já estava perdida, Lansky – que ofereceu prêmio de US$ 1 milhão para quem matasse Fidel – fez vários projetos de assassiná-lo, de comidas envenenadas a explosivos em charutos, mas já era tarde.

Pois entre essas duas Cubas, encontramos Fidel, que deu fim à festa do crime organizado. Mas Cuba não se tornou o paraíso sonhado pelos criminosos nem o paraíso socialista sonhado por Fidel. Continuam lá, apesar de avanços em áreas restritas, a miséria, o atraso, o espírito ditatorial, a liberdade cativa, as prisões arbitrárias e algumas coisas tristes e comoventes em seu primarismo. Cinquenta anos após a revolução, Cuba anuncia medidas que nos fariam rir se não escondessem tragédias: os cubanos podem desde 1.º de outubro vender ou comprar seus carros! Talvez um daqueles cadilaques nos quais Albert Anastasia fumava charutos e mandava atirar em quem o aborrecia.

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