Liberato Ambrósio Albuquerque não tem apenas um nome que soa antigo. Ele é todo antigo. E elegante. Usa roupas confeccionadas sob medida e jamais foi visto envelopado em calças jeans. Coleciona camisas refinadas e sapatos de verniz. Sobre os cabelos brancos, uma variedade divertida de chapéus.

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A filha, Matilde, e o genro, André, o mantêm sob vigilância, dado sua fama de extravagante. Quando enviuvou – e isso fazia muito tempo – chamou-os para dividir a casa com ele. Indicou as partes da residência onde eles poderiam fazer o que bem entendessem e aquelas em que ele era soberano.

Não dava trabalho, dizia a filha aos que se surpreendiam com o velhinho faceiro, contador de casos, a simpatia do bairro. No início da tarde, saia para se encontrar com amigos – e tinha muitos amigos – na associação de ex-funcionários do banco no qual trabalhara a vida inteira. Eram oito sobreviventes. Reuniam-se para lembrar, contar causos – normalmente já contados dezenas de vezes – jogar víspora, pif-paf, damas e dominó. Ou passavam tardes inteiras esticados em poltronas antigas, fumando em silêncio. Nada de lei antifumo naquele espaço.

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– Aqui reina a liberdade – disse Liberato ao gerente novato que veio advertir quanto ao fumo. Argumentou que o mais jovem deles já passara dos 75 anos e gozava de boa saúde. O cigarro não incomodava a ninguém. E arrematou:

– Só cederemos à morte, essa ingrata que não negocia com ninguém.

E assim, sob a liderança anarquista de Liberato, seguiram ocupando a sala.

Ocorre que certo dia Matilde estranhou que ele chegasse em casa mais tarde do que o habitual. Não trazia o chapéu na cabeça, mas nas mãos, como um pandeiro, o que jamais acontecera. Os cabelos em desalinhos. Não pediu o copo de leite, como era seu hábito antes de deitar.

– Tem coisa – disse Matilde para o marido.

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Só no dia seguinte tiveram coragem de perguntar por onde andara.

– Estive com o Adroaldo – disse ele, saindo porta afora.

– Que Adroaldo é esse? – perguntou André.

– Um amigo dele... – Matilde não conteve o choro – Funcionário do banco. Morreu há uns dez anos.

Os cuidados foram redobrados. André chegou a segui-lo. Não descobriu nada demais, ele foi direto à sede do banco. Dias depois, Liberato chegou às duas da madrugada e deu com uma viatura na frente da casa, a filha e o genro passando aos policiais as características do velhinho desaparecido.

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– Vocês não têm mais nada para fazer?! Parem de bobagens!

Liberato rumou furioso para a parte do casarão que lhe cabia. Matilde foi lhe pedir desculpas e perguntou com quem encontrara.

– Com o Anacleto.

Anacleto havia morrido há três anos.

– É a morte – Matilde disse a André – Minha mãe dizia que quem vai morrer começa a ver gente falecida.

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Dois dias depois, Liberato voltou cedo para casa, o que também era raro. Mas desta vez veio acompanhado por uma senhora pequenina, muito branca, de cabelos um tanto revirados e roupas coloridas. Matilde reconheceu. Era dona Eulália, mãe de Anita, sua amiga de caminhadas no bairro. André se encantou com os olhos miúdos da velhinha, que pareciam não enxergar um palmo a frente do nariz. Liberato a ciceroneou pela casa, inclusive pela área onde era soberano, e voltou à sala com o anúncio:

– Vamos nos casar.

Matilde correu para a cozinha, pálida. André foi atrás:

– Essa Eulália existe mesmo? Não será uma falecida que está aí?

Matilde fez um café, que serviu ao casal de noivos. André não se conteve:

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– E aqueles seus amigos, o Adroaldo e o Anacleto? Tem encontrado com eles?

Liberato cutucou Eulália, que sorria encabulada, os olhinhos míopes perdidos no ar.

– Estão mortos, meu rapaz. Inventei aquilo para ver se vocês se mancavam.

Casaram-se há um ano. E continuam felizes até hoje, o que, nessa idade, é quase para sempre.

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