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Devo confessar que, depois de anos de pesquisas, meditações e noites de insônia, cheguei à conclusão de que o melhor amigo do homem não é o cachorro. O melhor amigo do homem é o rádio. Sobretudo o rádio de cabeceira. É certo que um cachorro é um companheiro notável, mas não pode ser comparado com o rádio.

É uma história antiga esse meu amor pelo rádio.

Minha mãe me contava que eu, quando ainda no berço, abria o berreiro se alguém – principalmente minha mãe, é claro – não viesse conversar comigo. Mas, como dona Ondina tinha uma porção de coisas para fazer, sendo ela própria uma viciada em ouvir rádio, acabou descobrindo que colocando-o perto do berço eu ficava calmo e não chateava. Segundo ela, eu ficava de olho no teto, atento, vasculhando aquela infindável coleção de vozes e de músicas.

Pois foi assim que começou. Lá ficava eu ouvindo rádio. Pelo que sei, havia uma estação local, a PRC4, Rádio Clube de Blumenau, e a então onipresente e insuperável Rádio Nacional do Rio de Janeiro, ondas curtas. Lembro que anos depois, quando eu já era adolescente, costumava perguntar a minha mãe, quando ouvíamos rádio, se aquele era um dos programas que eu ouvia no berço. Ela me explicava que os programas haviam mudado, mas o locutor era o mesmo, o prefixo era muito parecido, a estação era aquela. Eu suspirava aliviado: havia naquilo tudo algo de muito familiar.

Acho que ainda tenho na memória – num canto cujo acesso nem sempre me é permitido – todos os programas que ouvi ainda no berço. A prova é que continuo à procura deles, insone, madrugada adentro, con­­vencido de que não se pode ter uma noite decente de sono sem ouvir rádio. Há quem só durma envolto no mais profundo silêncio – eu durmo embalado pelos programas de rádio.

Tenho vários rádios pela casa – e agora no notebook, pois via internet podemos acessar um número infindável de estações mundo afora. Mas um deles é meu companheiro mais fiel. Está comigo, aqui na cabeceira da cama, um rádio-relógio Philips 470. Já é idoso, pois o comprei ali na Voluntários da Pátria lá por volta de 1976. Às vezes ele sofre uns ataques de rouquidão, em outras cisma em não sintonizar certas estações – tem uma manifesta má vontade com programas eleitorais, religiosos e do governo. Basta alguém elevar a voz – como fazem políticos, pastores e candidatos – para que ele dispare um apito agudo, vitimado por um súbito ataque de mutismo ou de tosse. Ultimamente tem sido vítima de apagões quando é submetido a papos corporativos, música sertaneja ou country e papos sobre doenças – ele detesta hipocondria. Caso esteja ligado ao começar o horário eleitoral, se põe a vibrar, ameaçando se jogar no chão. Só melhora quando mudo de estação.

Por outro lado, adora música – vai das cantorias caipiras ao rock progressivo, do samba canção ao jazz, de Hermeto a Pixinguinha, de Nat King Cole a Henry Salvador. Diverte-se ouvindo papos sobre tudo e nada, notícias do mundo inteiro, estações de todos os países, especialmente as argentinas – adora tangos e milongas. Gosta também de entrevistas, mas exige uma coisa: que o entrevistador não fale mais do que o entrevistado.

Fica em sintonia fina nesses momentos.

Já viajou muito comigo. Ex­­plico: já passei noites de aflição num desses hotéis sinistros que não colocam um rádio decente ao lado da cama. Meu Philips 470 me acompanha e não corro riscos.

Claro que nem tudo é um paraíso. Anda cada vez mais difícil acharmos bons programas. Eu e meu rádio ficamos pasmos diante da quantidade de sujeitos berrando, anunciando milagres ou dando declarações estapafúrdias.

É quando nós dois ficamos em silêncio, quietos no meio da noite, lembrando de programas que ouvimos há muitos anos.

– Lembra daquele programa? – um de nós pergunta.

Então ouvimos, noite adentro, velhas canções e antigos locutores que insistem em morar em nossa memória.

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