As políticas implantadas no Brasil, em todas as áreas, costumam nascer de puro improviso, quando não de oportunismo eleitoreiro. Algumas vezes decorrem da necessidade de se apresentar um programa de governo, que talvez jamais seja implantado, ou da urgência em justificar verbas que, uma vez aprovadas, serão ou não corretamente aplicadas.

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Isso se dá na área da saúde, da segurança pública, do saneamento, da educação. Há muito improviso, embora vez ou outra apareçam algumas ideias generosas criadas por assessores mais generosos. E há demasiado uso politiqueiro daquilo que o país realmente precisa.

No caso da educação, destaco um ponto que me preocupa: o deslumbramento com que os atuais planejadores da educação encaram a informática. Como o universo de políticos e de burocratas no Brasil não passa por qualquer reflexão, governando-se por modismos imediatistas ou políticas oportunistas, um chavão se tornou onipresente entre eles: é preciso realizar a "inclusão digital". Qualquer vereador ergue o nariz e um dedo marqueteiro para anunciar, impávido: inclusão digital.

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Nada contra a inclusão digital, esclareço. Mas ela virou um bordão mágico, espécie de síntese dos novos tempos e anúncio dos tempos futuros. Tudo se resolveria com a colocação de micros na sala de aula, por exemplo.

Será?

Eu, que sou dado a dúvidas impertinentes, me pergunto por que existe tal empenho em colocar a informática no centro da questão educacional, quando – e isso é notório – a imensa maioria de nossas escolas não tem bibliotecas dignas desse nome? A meninada ainda não chegou ao livro e querem que mergulhe no computador. Isso seria imaginar que o computador – que é um instrumento notável – surgiu do nada, sem vínculo com a Galáxia de Gutenberg.

Não estou aqui a expressar meras implicâncias ou manias pessoais. Uso computador desde a metade dos anos 1980, quando adquiri um daqueles pré-históricos monstrengos da Itautec, o CP500 – 48 kbytes de memória RAM! – que nem disco rígido tinha. Funcionava com dois disquetes 5,25 polegadas. Era preciso carregar o sistema, retirar o disco, colocar outro no qual seriam gravados os arquivos etc. Hoje sou usuário de um notebook que, trinta anos depois, me parece milagroso. A informática é um avanço notável, mas...

Foi quando me caiu nas mãos – ou na tela – um artigo saído no New York Times, escrito por Matt Richtel, ("A Silicon Valley School that Doesn’t Compute", de 22 de outubro deste ano). Nele o jornalista revela que os executivos das grandes empresas de tecnologia avançada, como o vice-presidente da eBay e funcionários da região do Vale do Silício (Google, Apple, Yahoo, Hewlett-Packard, entre outras) estão matriculando seus filhos em pequenas escolas aonde os micros ainda não chegaram. Nelas há a preocupação, como no caso das escolas Waldorf, em atividades que desenvolvem habilidades motoras, exigindo criatividade, o que pode incluir – vejam só os arautos da inclusão digital – aulas de tricô!

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Isso mesmo, leitor, aulas de tricô.

Segundo Matt Richtel, ajuda a desenvolver a capacidade de solucionar problemas, reconhecer padrões, apropriar-se de conhecimentos matemáticos e amadurecer a coordenação motora.

Há uns meses, dei com uma notícia vinda dos Estados Unidos, onde se dizia que certo professor universitário aconselhava que se abolisse a escrita cursiva – e, de arrasto, canetas, papéis, lápis e borracha, pelo que posso supor. A escola deveria ensinar apenas a escrita em letras de forma, pois é só disso que as crianças precisam para enfrentar um teclado, argumentava o douto professor.

Que ideia infeliz. Escrever "a mão", mesmo em tempos de teclados e telas onipresentes, nos oferece tempo para reflexão e concentração, desenvolve coordenação motora, ativa neurônios, cria textos mais generosos e é fonte de prazer, o que não é pouco para se aprender nos dias que correm.

Portanto, quando altos executivos do Vale do Silício colocam seus filhos em escolas sem computadores, é bom – sem abrir mão das maravilhas da informática – não abrir mão da mão propriamente dita e desses instrumentos fantásticos: lápis, canetas, papéis, borrachas. E livros. Livros.

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