Qual a diferença entre uma sacada genial e uma platitude suprema? Quem chamou-me atenção ao tema foi o escritor (ídolo máximo aqui da casa) Reinaldo Moraes em seu precioso livro de crônicas “O Cheirinho do Amor” (Cia. das Letras).
Para ilustrar a questão, o autor de “Tanto Faz” usa um outro clássico recente, o romance “Pastoral Americana”, de Philip Roth. No livro, a certa altura, um personagem se faz aquela que é talvez a mais grave das perguntas: “O que é a vida, afinal?” Depois de meditar um tanto, ele mesmo dá a resposta: “A vida não passa de um curto período de tempo no qual estamos vivos”.
A definição é perfeita em sua trivialidade. O óbvio e o genial são mesmo feitos do mesmo barro, mas funcionam de formas diferentes para um gigante escritor como Roth. Vejam bem: grandes sacadas, qualquer medíocre redator de amenidades pode cometer umas duas vezes em sua vulgar trajetória, “mas uma grande sacada que pode ser confundida com uma suprema-obviedade e vice-versa, isso é coisa de gênio”, atesta Moraes. E eu corroboro.
Diante da constatação, ele segue falando do amor e seus odores, enquanto eu sigo daqui tentado cercar essa dezena no seco e no molhado. Pois o óbvio sempre foi uma das minhas maiores preocupações. Influência (óbvia) de Nelson Rodrigues, sempre ele, que introduziu essa questão filosófica, tão insondável quanto escancarada, no imaginário popular brasileiro.
Nelson popularizou a expressão “óbvio ululante” ao usá-la seguidamente no programa Grande Resenha Facit, o muito popular precursor das mesas redondas de futebol na televisão, e por isso era parado nas ruas por lavadores de carro que o abraçavam repetindo o bordão.
O óbvio, esse desconhecido em que a gente esbarra, que farejamos, que senta ao nosso lado no ônibus e não percebemos era uma de suas obsessões, resumida na premissa: “Só os profetas enxergam o óbvio”. A incapacidade em percebê-lo é mesmo, há muito, uma das grandes tragédias nacionais em todos os setores. Nosso cérebro nos trai com a ilusão de que estamos monitorando todas as circunstâncias enquanto, entorpecidos de ambição, crenças tolas e juízos antecipados deixamos nos escapar o essencial.
Na política, na ecologia, nos esportes o óbvio ulula frenético como alguém picado por uma tarântula e simplesmente não vemos. Na outra mão, há tempos uma das mais rentáveis ocupações é dar consultorias bilionárias para dizer obviedades como “tal país pode ter dificuldade em pagar suas dívidas” ou “talvez seja necessário conter gastos ou haverá demissões”.
O caso das artes é ainda mais grave, e nele fecho com os heróis Roth, Moraes e Nelson usando um pensamento do último: “O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.”
Justiça do Trabalho desafia STF e manda aplicativos contratarem trabalhadores
Parlamento da Coreia do Sul tem tumulto após votação contra lei marcial decretada pelo presidente
Correios adotam “medidas urgentes” para evitar “insolvência” após prejuízo recorde
Milei divulga ranking que mostra peso argentino como “melhor moeda do mundo” e real como a pior
Deixe sua opinião