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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

Qual a diferença entre uma sacada genial e uma platitude suprema? Quem chamou-me atenção ao tema foi o escritor (ídolo máximo aqui da casa) Reinaldo Moraes em seu precioso livro de crônicas “O Cheirinho do Amor” (Cia. das Letras).

Para ilustrar a questão, o autor de “Tanto Faz” usa um outro clássico recente, o romance “Pastoral Americana”, de Philip Roth. No livro, a certa altura, um personagem se faz aquela que é talvez a mais grave das perguntas: “O que é a vida, afinal?” Depois de meditar um tanto, ele mesmo dá a resposta: “A vida não passa de um curto período de tempo no qual estamos vivos”.

A definição é perfeita em sua trivialidade. O óbvio e o genial são mesmo feitos do mesmo barro, mas funcionam de formas diferentes para um gigante escritor como Roth. Vejam bem: grandes sacadas, qualquer medíocre redator de amenidades pode cometer umas duas vezes em sua vulgar trajetória, “mas uma grande sacada que pode ser confundida com uma suprema-obviedade e vice-versa, isso é coisa de gênio”, atesta Moraes. E eu corroboro.

Diante da constatação, ele segue falando do amor e seus odores, enquanto eu sigo daqui tentado cercar essa dezena no seco e no molhado. Pois o óbvio sempre foi uma das minhas maiores preocupações. Influência (óbvia) de Nelson Rodrigues, sempre ele, que introduziu essa questão filosófica, tão insondável quanto escancarada, no imaginário popular brasileiro.

Nelson popularizou a expressão “óbvio ululante” ao usá-la seguidamente no programa Grande Resenha Facit, o muito popular precursor das mesas redondas de futebol na televisão, e por isso era parado nas ruas por lavadores de carro que o abraçavam repetindo o bordão.

O óbvio, esse desconhecido em que a gente esbarra, que farejamos, que senta ao nosso lado no ônibus e não percebemos era uma de suas obsessões, resumida na premissa: “Só os profetas enxergam o óbvio”. A incapacidade em percebê-lo é mesmo, há muito, uma das grandes tragédias nacionais em todos os setores. Nosso cérebro nos trai com a ilusão de que estamos monitorando todas as circunstâncias enquanto, entorpecidos de ambição, crenças tolas e juízos antecipados deixamos nos escapar o essencial.

Na política, na ecologia, nos esportes o óbvio ulula frenético como alguém picado por uma tarântula e simplesmente não vemos. Na outra mão, há tempos uma das mais rentáveis ocupações é dar consultorias bilionárias para dizer obviedades como “tal país pode ter dificuldade em pagar suas dívidas” ou “talvez seja necessário conter gastos ou haverá demissões”.

O caso das artes é ainda mais grave, e nele fecho com os heróis Roth, Moraes e Nelson usando um pensamento do último: “O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.”

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