Holy Motors não faz sentido. Ao menos não como se costuma empregar as palavras "fazer sentido" para um filme. Ou ao menos não como os filmes feitos nos EUA, dominantes no roteiro, costumam fazer sentido.
Um crítico norte-americano que gostou muito de Holy Motors (inédito em Curitiba por enquanto, mas sendo exibido em São Paulo) escreveu que o longa-metragem, "obviamente, é francês". Mais que um elogio ao cinema da França, arrisco dizer que ele quis fazer uma crítica ao cinema dos EUA.
A história, por assim dizer, foi escrita por Leos Carax, que também responde pela direção, e começa com um certo senhor Oscar saindo de casa pela manhã, de gravata e terno, com a pasta na mão, dando tchau para os filhos. Ele entra em uma limusine branca para o que parece ser mais um dia de trabalho, de um homem de negócios bem-sucedido, mas o que se vê é uma sucessão de eventos bizarros. De certa forma, inexplicáveis.
Oscar é um mestre em disfarces. Ele manipula itens de maquiagem, perucas e roupas com desenvoltura. Primeiro, desce da limusine travestido como uma velhinha pobre e muito corcunda, de lenço na cabeça e roupa puída, para pedir esmola em uma ponte de Paris. Ajuda, e muito, o ator ser Denis Lavant, de recursos impressionantes, um homem que trabalha com Carax desde há muito. Juntos, fizeram quatro dos cinco filmes que o cineasta realizou na vida. Carax, de 52 anos, é um cineasta lacônico e sem pressa. Seu filme anterior havia sido Pola X, de 1999. E seu trabalho mais conhecido é Os Amantes de Pont-Neuf (1991), em que Juliette Binoche e Lavant interpretam mendigos numa história de amor dilacerante.
A velhinha esmoleira volta para a limusine e Oscar se transforma então em um monstro, de cabelos vermelhos compridos e unhas grandes e sujas, um olho opaco, paletó e calças verdes. Ele está descalço e caminha como um animal, dentro de um cemitério parisiense, para devorar flores deixadas para os mortos e interromper um ensaio fotográfico de moda. A criatura sequestra uma modelo (a atriz Eva Mendes) e a leva para o esgoto.
O monstro retorna à limusine e outras sequências se sucedem, estranhas e mesmerizantes. Alguém disse que essa sucessão de papéis funciona como as emoções que sentimos ou que fingimos sentir ao longo de um dia. São os disfarces de que precisamos para viver em sociedade.
Outra leitura possível é que o senhor Oscar tem uma vida interior muito complexa. As imagens retratam tudo aquilo que existe dentro dele e que pode existir dentro de você e de mim. Apesar de que é fácil encarar Holy Motors como um delírio essa leitura esconde o impulso de tentar explicar o que não pede explicação.
O filme é e isso vai soar um pouco ridículo para ser "sentido". Tentar entendê-lo com ferramentas usuais de uma história com começo e fim equivale a tentar explicar um sonho: quando você estava dormindo, nada parecia mais real do que ele. Tente pôr em palavras e você corre o risco de fazer papel de bobo.
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