Ninguém acredita quando digo que os haitianos que conheci durante uma reportagem de dez dias na capital Porto Príncipe, em janeiro deste ano, parecem felizes. Pelo recorte das notícias que recebemos do país mais pobre do Ocidente, fica difícil imaginar sorrisos. Mas eles são muitos. Talvez eu tenha sido contaminada pelo ar de praia e malevolamente recusado solidariedade àquelas pessoas vivendo em praças e caminhando sob um sol escaldante em calçadas repletas de lixo. Os soldados no quartel brasileiro ironizavam: bem-vindos ao Caribe!
Um rapaz que serviu de guia para a equipe, um dos muitos haitianos revoltados com a imagem de país desgraçado, assumiu a missão de nos mostrar coisas boas por lá. Confesso que ficou mais difícil cumprir a pauta mostrar recortes da vida na capital um ano após o terremoto que matou cerca de 130 mil pessoas com ele nos puxando para hoteis de luxo.
Uma ótima pedida foi sair de carro com amigos dele que serviam de motorista por um dia. Carros de gente de verdade. Sempre precisavam abastecer, e isso levava meia hora cada vez, tempo necessário para negociar com o frentista e depois com o gerente, se ia ser em dólar haitiano ou americano e por aí vai.
Esses garotos nos levaram para conversar com crianças e adultos que sonham em ser engenheiros para "reconstruir o Haiti". Como Kenchy, de dez anos, que não vai à escola mas aprendeu a ler com o pai, e Joseph, criado em um orfanato e que acabava de dar entrada num pedido de bolsa na Pensilvânia para estudar Engenharia.
A contragosto, nosso fixer como são chamados os guias, motoristas, indicadores de fonte, enfim, faz-tudo dos jornalistas fora do país nos conduziu para dentro de um dos acampamentos em praça pública que se formaram após a tragédia. Ali encontramos a dona do sorriso haitiano mais lindo visto na viagem, Joselaine, que levava seus livros e falava das provas da escola sem parar de mostrar os dentes. Depois entrou em sua barraca.
Para a foto, Joane também sorriu, conquista só obtida pelo fotógrafo Antonio Costa. Para a reportagem, ela fez questão de aparentar indiferença pela gravidez de oito meses. Quanto perguntada sobre o nome que daria à criança, rebateu: "Por que não escolhe você um nome?" Como diz a premiada repórter gaúcha Eliane Brum, é preciso ter consciência do que você representa para a pessoa que está entrevistando.
No último domingo, fomos à praia no carro de Eddy e Dufonia, que posaram sobre uma pedra para a foto ao lado. Na volta, já escuro, o trajeto de uma hora de estrada foi embalado por sucessos como "Forever Young", da banda alemã Alphaville. Uma escolha que simplesmente combinava demais com o momento. Que passou. O aniversário do terremoto acabou e muitas pessoas sorridentes com quem conversei estavam certas ao prever que em poucos meses sumiriam do noticiário.
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