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James Joyce (1882-1941) tinha um jeito lindo de escrever para sua mulher, Nora Barnacle (1884-1951). As provas do amor, do ciúme absurdo e da insegurança que ele sentia estão nas Cartas a Nora, que a Iluminuras publica agora com tradução e organização do casal Dirce Waltrick do Amarante e Sérgio Medeiros.

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"Meu querido amor", "Minha borboletinha", "Minha Nora caladinha", "Minha doce garota levada", começam as cartas de Joyce, que cobrem um período de 1904, quando os dois se conheceram, a 1924, quando o escritor envia para ela uma cópia da quarta impressão de Ulysses, na esperança de que ela o lesse. Nora havia recusado atravessar o romance em edições anteriores.

As cartas, mais até do que a antologia de contos Dublinenses ou o romance Um Retrato do Artista Quando Jovem, podem ser uma boa entrada para os textos ficcionais de Joyce (e para "o" texto, Ulysses). Assim como Finnegans Wake é uma excelente saída (para não perder a piada). De certa forma, as cartas apresentam o homem ao leitor, um tipo apaixonado e fascinante.

Uma vez que você conhece Joyce – e é de fato possível conhecer detalhes importantes a respeito dele por meio do que escreveu a Nora –, é difícil não simpatizar com ele em qualquer medida.

Ele é alguém que planeja com detalhes obsessivos um presente para a mulher e, antes de dá-lo, conta para ela o quanto deu trabalho fazê-lo do modo certo, descreve o colar, com cinco peças pequenas de ouro, uma para cada ano desde que se conheceram.

Joyce era tão apegado a minúcias que transformou o 16 de junho em que conheceu Nora na data mais emblemática da literatura. É o dia em que se passa a ação de Ulysses e que inspiraria o Bloomsday, ou Dia de Bloom, uma homenagem anual que leitores prestam ao autor e ao seu personagem Leopold Bloom em várias partes do mundo. Inclusive em Curitiba.

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O maior escritor moderno sofria de um ciúme retroativo violento – Nora teve outros namorados antes dele e uma história estranha com um religioso que tentou agarrá-la. "O ciúme ainda está consumindo o meu coração. Teu amor por mim precisa ser ardente e violento para me fazer esquecer completamente", escreveu em carta de 22 de agosto de 1909. No dia anterior (sim, ele escrevia diariamente para a mulher), ele pediu para que ela fosse paciente. "Tenho um ciúme absurdo do passado."

Em viagem à Dublin, na Irlanda, com Nora na Itália, Joyce sofria terrivelmente com a distância. Ele buscava acordos de trabalho que o permitissem receber algum dinheiro e mais tarde cometeria todo tipo de extravagância em nome da sua "menininha de convento", como torrar o que ganhava em presentes quando precisavam economizar para viver melhor do que viviam.

Os organizadores do volume fizeram uma seleção cirúrgica e graças ao trabalho deles dá para perceber o movimento lento que Joyce faz até chegar às famosas cartas eróticas. Vale deixar claro aqui que a fama se justifica. O homem sabia escrever sacanagem como ninguém. Aliás, ele sabia escrever qualquer coisa.

É assim que ele acena para Nora: "Há uma carta que não ouso ser o primeiro a escrever e entretanto espero que você a escreva para mim. Uma carta para os meus olhos somente. Talvez você a escreva para mim e ela acalme a agonia do meu desejo".

Mais para frente, as cartas se tornam bastante gráficas e mesmo quando ele escreve os detalhes embaraçosos de momentos íntimos com Nora (penso aqui numa experiência envolvendo sexo e peidos), nota-se o amor dele por ela. É algo incrível de testemunhar.

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Simultaneamente às cartas, a Iluminuras publica também Epifanias, uma seleção de narrativas curtas de Joyce, em volume que inclui um estudo do tradutor dos textos, Piero Eyben.