Descobri o concurso de sósias do escritor Ernest Hemingway (1899-1961) em uma obra do alemão Sigmar Polke. O artista plástico pegou uma fotografia típica do evento anual, parecida com a que ilustra esta coluna, e a ampliou muito, criando um mural reticulado em preto e branco.
A imagem é indiscutivelmente divertida: um bando de senhores barbados e avermelhados fazendo festa no Sloppy Joes, um bar que Hemingway frequentava em Key West, na Flórida, onde viveu nos anos 1930.
A primeira edição do concurso aconteceu em 1981. Hoje, o grupo é organizado. Criaram a Bolsa de Sósias do Hemingway para ajudar estudantes da rede pública da cidade. No ano passado, eles levantaram quase US$ 23 mil em doações. Há ainda uma página na internet com várias informações e fotos de todos os "papas" (a certa altura da vida, já mais velho, com barba branca e uma barriga protuberante, o escritor ganhou o apelido de Papa Hemingway).
A disputa entre os sósias é a principal atração de um festival anual que ocorre sempre no fim de semana mais próximo do aniversário do autor de O Velho e o Mar, que nasceu em 21 de julho de 1899 e recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1954.
Depois de dez anos sendo eliminado, Greg Fawcett, um senhor de 64 anos que vive na Carolina do Norte, venceu a edição de 2012, batendo 139 concorrentes.
"Sou um ávido caçador e pesco todos os dias", disse Fawcett para a Associated Press. "Infelizmente, não sou um escritor muito bom, mas eu sei beber. Então acertar três de quatro é uma média ótima." Ele se refere a algumas das características que fizeram e ainda fazem a fama de Hemingway.
O estranho é que não foi nenhuma delas que me interessaram de início. Conheci Hemingway lendo uma tradução que o Ênio Silveira fez nos anos 1960 de Paris É uma Festa. O livro mostra os anos de formação do escritor, vivendo na capital francesa e convivendo com Gertrude Stein, F. Scott Fitzgerald e Ford Madox Ford.
O que me interessou foi um "saber viver" que encontrei no texto. Hemingway não tinha dinheiro e morava numa pocilga sem janela e com banheiro comunitário. Era ele e a mulher grávida. O cenário que parece deprimente é descrito com afeto. Ele explica que poderia viver em qualquer lugar porque os seus livros e os seus quadros o faziam se sentir em casa, não importa onde estivesse.
Mal havia dinheiro para comida, mas às vezes ele dava um jeito de comer ostras com vinho branco e nunca mais me esqueci do "gosto metálico" usado por ele para descrever o sabor da refeição.
Vejo a imagem dos vários hemingways no Sloppy Joes Bar e imagino que esses senhores, assim como eu, também admiram o talento que Hemingway tinha para viver a vida. A farra de vestir roupas de safári e aparar a barba branca tal qual Papa é um jeito bizarro e divertido de se aproximar das coisas que tornam a vida boa.
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