Ilustração de Sendak, parte do livro Onde Vivem os Monstros| Foto: Reprodução

Dos livros infantis de Maurice Sendak, pegue Onde Vivem os Monstros (Cosac Naify), o único publicado no Brasil, e perceba como o texto se parece com a voz de uma criança. É simples, quase sempre breve, um relato de coisas que acontecem, na sequência em que acontecem.

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O menino Max, protagonista da história, usa uma fantasia de lobo, apronta todas e é colocado de castigo pela mãe. No quarto, a história sofre uma reviravolta, a imaginação de Max assume o controle e ele vai de barco até uma ilha habitada por criaturas horrendas.

A história virou um filme de Spike Jonze em 2009, tão estranho quanto o próprio livro. Lendo hoje a obra editada em 1963, pode ser difícil entender por que Sendak é tão respeitado e cultuado. O artista morreu na última terça-feira e tinha 83 anos. Mais do que escritor, ele foi um ilustrador extraordinário.

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O que Sendak fez foi carregar as histórias infantis para um universo sombrio e nem sempre confortável numa época em que ninguém fazia isso. Ele apresentou os pesadelos ao mundo dos livros infantis como que dizendo: "Sim, as crianças também têm pesadelos e eles acabam e daí elas acordam".

Havia os contos de fadas, mas o Lobo Mau sempre era morto pelo Caçador nas versões que circulavam pelos Estados Unidos de meio século atrás.

Numa tentativa de comparação, as ideias de Tim Burton, diretor do filme O Estranho Mundo de Jack e autor de livros ilustrados, têm hoje um tanto de Maurice Sendak. E está amplamente assimilada a noção de que crianças são criaturas mais complexas do que supõe uma historinha tatibitate.

A editora norte-americana McSweeney’s chegou a publicar uma coleção de livros que tentam dar uma "utilidade" aos bebês (Baby, Be of Use). Cada volume ensina a fazer coisas de gente grande, como consertar o carro, ir ao banco, ou preparar um drinque para a mamãe. Esse é o mundo pós-Sendak.

Entre as interpretações que ganhou ao longo dos anos, uma diz que Onde Vivem os Monstros, sem dúvida o livro mais importante de Sendak, trata de sentimentos que as crianças não conseguem compreender, ou pior: com os quais não conseguem lidar.

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Os monstros simbolizam essas sensações. Elas assustam no começo, mas logo o piá começa a distribuir ordens e é nomeado o rei do pedaço. Mais tarde Max se cansa, quer ir embora para um lugar onde alguém "o ame de verdade" e volta para o seu quarto, da sua casa, no qual vive com a mãe.

Sentimentos são coisas monstruosas às vezes e mesmo entre os pequenos – ou principalmente entre eles – não dá para se evitar conflitos, brigas e disputas. O sofrimento, em alguma medida, é inevitável porque a criança não sabe lidar com o que sente. Se tiver sorte, talvez aprenda à medida que crescer.

Na opinião de Sendak, é muito melhor falar sobre essas sensações do que fingir que elas não existem.