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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Tive aulas com um professor que parecia o John Keating, personagem de Robin Williams no filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989). Foi em um treinamento interno da Gazeta na semana passada. A turma teve dois encontros com ele, em dias seguidos.

A aula foi sobre "Ser humano". E ele fazia pausa dramática entre uma palavra e outra: "Ser... Humano". Usando um conhecimento extraordinário de literatura e cinema, o professor falou sobre o mundo atual e tudo aquilo que considera problemas terríveis, corrosivos: da busca por grana a todo custo até as relações virtuais do Facebook (e por "virtuais", ele frisou que elas não existem de fato).

Em quase duas horas de aula, no primeiro dia, ele se esforçou – e acho que conseguiu – fazer parte dos alunos olhar com mais cuidado para coisas que, de outra forma, ninguém se daria o trabalho de prestar atenção.

Não sou um entusiasta das redes sociais, embora admita a utilidade delas como ferramenta de trabalho. Sou jornalista e é difícil escapar. O motivo por que não gosto das redes sociais é o mesmo que me faz fugir da tevê a cabo e da internet (quando não estou na redação): detesto como essas coisas sugam meu tempo.

Tive pelo professor o tipo de sentimento que se tem por vítimas de um acidente de trânsito, no meio de uma estrada vazia. Só que o "acidente" em questão é o mundo tal qual você o conhece e não está claro quem está socorrendo quem. O homem é um espanhol radicado no Brasil que defende o direito inalienável de todo mundo desfrutar de um almoço com pelo menos duas horas de duração ("Menos que isso, é desumano") e, no mínimo, uma taça de vinho ("Porque uma taça de vinho não faz mal a ninguém").

Passeando por várias referências – ele foi de Harry Potter a Dom Quixote, usou alguma filosofia, algum cinema e ao menos uma música –, o professor conseguiu criar um efeito similar ao de Keating na Sociedade dos Poetas Mortos. Ele, o espanhol, disse que é necessário resistir às coisas que nos desumanizam, é preciso mais sentimentos, menos máquinas e um tanto de ideologia. Por esta última, vale até arremessar um bom emprego pela janela – como ele diz ter feito pouco depois de sair da faculdade.

O problema dessas ideias – e o filme parece defender isso –, é que alguém sempre acaba se machucando no fim. Quem foi que disse que morrer em nome de ideais ainda é melhor do que viver sem eles? Não consigo lembrar.

No dia seguinte, o professor espanhol agiu estranhamente. Ele parecia contradizer todas as ideias que defendeu 24 horas antes. Estava relativizando mais, ponderando mais. A ideologia tem de ser defendida, mas é preciso engolir às vezes uma situação ruim até que se conquiste terreno para combatê-la. Uma paixão é algo que você pode e deve racionalizar. Por força das circunstâncias, tolere um almoço de 30 minutos ou menos.

A certa altura da aula, levantei a mão e perguntei por que ele estava relativizando se, no dia anterior, havia dado a entender que era preciso se apegar a tudo que nos faz humanos – paixões, erros, desejos...

"Sim", ele respondeu. "Eu disse isso ontem e, hoje, digo outra coisa. Sou humano. Não?" E esse "Não?", que pontuava as afirmações dele, vinha sempre acompanhado de um gesto com as mãos e de um movimento com a boca que podia significar: "Não há nada que eu ou você ou qualquer outra pessoa possa fazer a respeito disso".

Ele falou ainda sobre erros que cometemos e, mais difícil ainda, sobre erros que cometemos tentando fazer a coisa certa. "Se isso acontecer, você vai lá [para a pessoa] e diz: ‘Desculpa, errei’. Somos todos humanos. Não?"

Sim.

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