É lógico pensar que anos vividos se traduzem em experiência e deixam a pessoa mais capaz de entender certas coisas do que alguém que ainda não viveu tanto quanto.
Envelhecer e se tornar sábio era uma ideia que me agradava, mas passei a prestar atenção nas pessoas mais velhas. Não só nas idosas, mais em qualquer figura mais velha, mais experiente, mais culta... Estava tentando aprender algo, embora não soubesse exatamente o quê.
Talvez seja um problema com o meu círculo social limitado, mas os exemplos que encontrei conseguiram relativizar bastante o sonho de uma velhice sábia e também a noção de que a experiência pode melhorar qualquer um.
A velhice não traz sabedoria e o máximo que a experiência fornece é uma lista de exemplos nem sempre úteis. A maioria tenta encaixar o que quer que seja dentro da experiência que acumulou, usa os rótulos que tem à mão, ignora as nuances de maneira inconsciente e se bate com situações novas com as quais não sabe lidar e, com a idade, se torna cada vez menos disposto a lidar. Ainda que tenha 40, 50, ou 90 anos.
É certo que a experiência faz diferença no desempenho de uma profissão. Clint Eastwood, de 70 anos, disse que décadas trabalhando no cinema fizeram dele um bom cineasta. Mas os anos vividos não querem dizer nada fora do meio profissional. Isso explica o fato de não haver distinção de idade para vidas pessoais desastrosas, relações difíceis, depressões, suicídios e outras tragédias íntimas.
O tempo não deixa a vida mais fácil, ou mais simples, nem melhor. Pior, há provas de que ele só complica tudo ainda mais.
Pensei nisso quando quis descobrir por que me interesso tanto pelos livros de Philip Roth. O escritor de 77 anos é citado por escarafunchar a realidade dos Estados Unidos e a vida dos norte-americanos. Pastoral Americana e A Marca Humana são dois títulos que seguem essa linha ambiciosa de retratar uma época. São livros bons, mas eu não hesitaria em me livrar deles para abrir espaço na minha estante.
A parte que me interessa na obra de Roth tem a ver com livros sobre velhice e decadência física. Nessa linha, dá para colocar Homem Comum, O Animal Agonizante, Fantasma Sai de Cena, Indignação e A Humilhação no mesmo saco, todos produzidos nos últimos dez anos ou pouco mais.
A princípio, achava que essa atração pelas narrativas e pelos personagens de Roth tinha a ver com a noção da "velhice sábia". Esperava aprender algo com esses homens velhos incontinentes e impotentes que não eram capazes de ter uma relação sexual, mas ainda sofriam desejando mulheres mais jovens, três ou quatro décadas mais novas.
Então percebi que as histórias eram de sujeitos no fim da vida que seguiam cometendo os mesmos erros e não se tornaram pessoas melhores porque acumularam anos. Não posso dizer que eles não me ensinaram nada, pois me mostraram que envelhecer é "um grande massacre", palavras de Roth.
Ele não mostra as agruras da velhice em oposição às glórias da juventude. Ao menos não da "juventude", entre aspas, que se costuma venerar por aí, uma adolescência que termina cada vez mais tarde, ou não termina nunca.
O escritor tratou da velhice num livro anterior, de 1991, que nunca foi traduzido no Brasil. Patrimony, as memórias de Roth sobre os últimos anos de vida do pai, descreve em detalhes as etapas da doença que acabou aos poucos com o octogenário Herman Roth, dono de um tumor no cérebro do tamanho de uma laranja.
Patrimony pode iluminar os livros mais recentes porque, ao falar do pai moribundo, Roth observava o fim de uma certa distância. Tinha então 50 e poucos anos. Agora, ele escreve sobre velhice e morte olhando ambos diretamente nos olhos.
O ponto crucial de Patrimony é uma cena em que o filho tem de acudir o pai que foi ao banheiro. Com dificuldades motoras, Herman suja as calças, o chão, as paredes e até as cerdas da escova de dentes. Limpando a confusão, o escritor se dá conta de que a merda era o seu patrimônio: "Lá estava meu patrimônio: não o dinheiro (...), não a caneca de barbear, mas a merda".
Depois de ler Roth, é compreensível que você pergunte se ele dá qualquer sinal de otimismo em meio à desgraça. Afinal, para que viver?
Pela possibilidade de cometer erros e não aprender nada com eles. Pela chance de errar. Até pelo desejo de errar. Para fazer merda.