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Vivienne faz uma engraçada leitura interna do mundo cênico. | Rubens Nemitz Jr./Divulgação
Vivienne faz uma engraçada leitura interna do mundo cênico.| Foto: Rubens Nemitz Jr./Divulgação

É inevitável. Você abre um livro brasileiro contemporâneo e há grandes chances de o protagonista ser um escritor, geralmente em crise. O mesmo acontece nos palcos, onde é frequente a cortina se abrir (ou melhor, as luzem se acenderem, porque cortina virou coisa do passado) e a plateia se deparar com um espetáculo que fala da dificuldade de se criar uma peça.

Artur de Azevedo, Corneille e com certeza outros já fizeram o que foi tema da comédia Vivienne, da Companhia de Bife Seco, que voltou ao cartaz durante o último Festival de Curitiba. A personagem-título quer ser escritora, mas se dilacera entre ímpetos criativos, a opinião dos amigos e qualquer conselho que receba por aí de como fazer isso. Sua confusão vem de milhares de fragmentos de referências. Cada vez que uma vem à tona, os colegas a censuram.

É o tipo de peça que faz rir pessoas da área pela autocrítica, mas deixa boiando quem é de fora. Não que isso comprometa a fruição, afinal, é impossível fazer um download mental de todo o conhecimento humano antes de sair para uma simples noite no teatro.

Em meio às risadas, sobra também para a crítica jornalística, retratada num esquálido assalariado de batom preto e mau-humor blasé. As mãos finas aplaudem lentamente e ele sentencia: "Hummmm....não gostei!"

Mas vamos lá, que os exemplos não param por aqui. A primeira estreia do ano no Teatro Novelas Curitibanas foi de Marcos Damaceno. Para o Vampiro – Variações N.º 1 joga luz sobre um dramaturgo em crise, mas agora numa chave dramática. Angustiado, ele tem prazo para entregar uma peça que inscrevera em edital – qualquer semelhança com a situação real vivida pelo artista não é coincidência.

O assunto voltou a ser abordado na nova estreia da cia. Vigor Mortis, em cartaz até 13 de maio (mais informações no roteiro à página ao lado). À Meia-noite Levarei Teu Cadáver é uma homenagem a José Mojica Marins, o Zé do Caixão, mas o protagonista é um cineasta que sofre para "parir" um roteiro, ele também uma "vítima agraciada" pelas leis de incentivo. Como a Gazeta do Povo mostrou na edição da última quarta-feira, dia 25, o texto questiona a exigência de se incluir "cultura brasileira" em projetos beneficiados por fomento.

Há quem diga que a autorreferência tão presente entre trabalhos cênicos retrate uma crise maior, temática, regada a questionamentos de identidade e finalidade.

Mecanismos para foraOutras companhias explicitam essa crise numa linguagem que expõe as entranhas do teatro. Quem faz isso melhor hoje é a carioca Christiane Jatahy, que tem trazido espetáculos com frequência a Curitiba. Como mostrou em Corte Seco e Julia, a diretora investiga as fronteiras entre o teatro e a realidade, criando momentos de intersecção em que o espectador não sabe se está vendo um ator ou seu personagem.

Teve mais: estreia paulistana trazida pelo festival deste ano, Licht+Licht, de Caetano Vilela, interrompe uma representação inspirada em Goethe para abordar os mecanismos internos do teatro.

São exemplos de que esse amálgama entre autoquestionamento e pesquisa por novas linguagens ainda vai render mais trabalhos pitorescos.

Fique atento. De quebra, preste atenção, quando ligar o rádio, se não surge uma vozinha mansa falando "da canção que fiz pra você..."

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