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Outro dia alguém escreveu em artigo que o curitibano não opta pelo transporte público porque este é ruim. Com certeza, essa pessoa não usa o meu ônibus. Ele tem até apelido carinhoso, num diminutivo que convém à caixinha amarela com que se assemelha.

O modelo, pequenininho e sem cobrador, acabou me estragando – já aconteceu de eu tentar pagar ao motorista de outra linha, que inadvertidamente peguei. Depois de muito aperto, voltei correndo para meu transporte tradicional, com seus preciosos chofeurs.

Eles têm características bem distintas. Um é rabugentão, de bigode, sisudo. Suspeito, porém, que por trás daquele corpo magrelo se esconda um bailarino em potencial. Exagero? Você precisa vê-lo entregando o troco. Os dedos longos retiram as moedas uma a uma da gavetinha. Ele dá um tranquinho na mão, para cima, de forma a juntar a soma num montinho. No gran finale, gira o punho e solta o dinheiro, triunfante, na palma do usuário.

No fim da tarde, a variedade de motoristas aumenta. Um deles é conhecido pela velocidade, pelo que é apreciado por uma parcela da população do bairro. Outros fazem questão de perder o das seis para esperar o das seis e meia – o cara tem cabelo grisalho e aquela calma que dizem vir com a idade. Se o sinal amarela, ele desacelera e para, sem pressa. No grupo de pessoas que opta pela escala dele, imperam mulheres caladas.

Seja qual for o condutor, posso dizer sem lisonja aos amigos sustentáveis que o amarelinho é meu meio de transporte preferencial. Não pago estacionamento no Centro, paro perto do trabalho e 99% das vezes há lugar para sentar. No horário de pico, fim da tarde, pode até ocorrer de eu ficar em pé, mas com área de um metro quadrado só para mim e muitas janelas para me refrescar. Pode parecer exagero, mas, pasme: o queridão para em frente de casa se eu pedir.

No quesito horário, posso dizer que miniatrasos ocorrem, mas os colegas de banco parecem não se incomodar. Teve uma vez que o relógio deu dez e um, dez e dois e ele não vinha. Cutuquei a garota ao lado e perguntei, será que já passou? "Não pode", ela me repreendeu. Me senti numa estação de trens suíça. Pois é, esse tipo de coisa é que me estraga: ontem perdi um carro de outra linha que inventou de sair um pouco antes do horário. (Me ensinaram que a gente nunca deve correr atrás nem de homem nem de ônibus.)

Lamento apenas que os usuários do meu busão sejam tão calados. Não que eu queira puxar conversa: gosto de me esconder num canto e espiar a vida dos outros e confesso que meu negócio é mesmo ficar ouvindo o papo alheio. Em outras linhas, já aprendi muitas coisas. O pessoal me alerta (sem saber) sobre impostos que estão por vencer, ofertas dos supermercados, e até hits do momento, que soam nos toques de celular. No amarelinho não, o negócio é mais íntimo. Cada um vai sussurrando com seu familiar até a Rui Barbosa. Para alguns, essa contenção representa uma qualidade a mais. Resta então olhar pela janela, de onde tenho um ângulo do mundo bastante diferente daquele atrás do volante.

E você, leitor, será que tem dicas de boas linhas de ônibus na cidade? Particularmente, minhas sinceras desculpas, mas não vou entregar o nome do santo – vai que a propaganda estraga.

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