| Foto: Reprodução

Nunca fui exatamente um apaixonado por futebol. Mas o nobre esporte bretão, que em terras brasileiras floresceu como planta nativa, sempre esteve muito perto de mim. Tive uma avó, filha de italianos, que em sua casa, uma espécie de sobrado como outros tantos de uma rua tranquila não muito distante do centro de Campinas, ouvia, religiosamente, todos os jogos de sua amada Ponte Preta.

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A cada lance das partidas, ela suspirava, roía as unhas, e conversava com seu rádio, ao qual se mantinha conectada por um fone, instalado em um de seus ouvidos, que a transportava ao estádio, não importa qual fosse, e parecia estar ligado não apenas à audição, mas a todos os seus sentidos, mobilizados por uma paixão confessa pela "macaca campineira", apelido da equipe paulista.

Meu pai, como sua mãe, sempre foi torcedor fervoroso da Ponte – lembro-me de uma bandeira do clube alvo e negro que nos acompanhou por toda a infância, migrando de parede em parede, por todas as muitas casas e apartamentos onde eu e meus pais moramos nessa fase da minha vida. Era de um tecido brilhante, com detalhes em prateado, e servia como uma espécie de escudo de família. Nem isso, contudo, me convenceu a me converter em torcedor da macaca, time pelo qual até hoje nutro grande simpatia, mas que sempre me pareceu uma espécie de privilégio dos parentes nascidos em Campinas, que eu, curitibano, e descendente de atleticanos por parte de mãe, não me julgava, talvez, merecedor.

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Acontece que meu pai, um amante das estradas, para quem a ideia de mudar-se de casa, de cidade e de estado, sempre pareceu uma decorrência natural da existência, não foi um torcedor fiel a um único time. Tinha outra paixão, que entrou de vez em sua vida quando já era homem feito, e potencializada quando nos transferimos para o Rio de Janeiro. A bandeira da Ponte continuava lá, firme e forte entre as relíquias familiares, mas agora começava a dividir espaço com outro pavilhão: o do Clube de Regatas do Flamengo.

Leonino passional, tornou-se assíduo frequentador do Maracanã, sócio da equipe rubro-negra com sede social e campo de treinos no bairro da Gávea, ao lado da Lagoa Rodrigo de Freitas: o time havia ganho mais um flamenguista convicto.

Dessa fase de nossas vidas, que coincide com a ascensão de um rapazote esmirrado do bairro suburbano de Quintino chamado Arthur Antunes Coimbra, guardo uma lembrança especial: um sábado, no fim dos anos 70, meu pai chega em casa meio esbaforido, com a pressa de quem tem uma questão de vida ou morte para resolver, e me pega pela mão. "Hoje você vai conhecer o Zico", disparou ele, com um sorrisão aberto e os olhos naquele dia mais verdes do que de costume, entusiasmado com a ideia de me apresentar "o maior craque do Brasil".

Graças à amizade que havia feito com outros dois jogadores do Flamengo, o zagueiro Manguito, que faleceu há dois anos, e o atacante Luizinho das Arábias, morto precocemente em 1989, fomos eu, ele, os dois atletas, e mais uma turma de torcedores ensandecidos a um churrasco embalado a samba, suor e caipirinhas no bairro de Jacarepaguá.

O encontro com Zico foi breve, mas inesquecível. Ganhei autógrafo e um abraço do craque, que me perguntou se eu era flamenguista "como o Roberto", meu pai. Desconcertado, olhei para o chão, respirei fundo, levantei a cabeça e menti. Solenemente, disse: "Sou, sim".

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Anos antes daquele momento, um tempo depois de nos mudarmos para o Rio, lá por 74, 75, havíamos nos instalado em um apartamento numa rua pitoresca e íngreme, ladeada por casas históricas, chamada Cardoso Júnior, no bairro das Laranjeiras, território do grande rival do Flamengo, o Fluminense Football Clube. O time, secretamente, aos poucos foi se tornando meu clube do coração, sem que ninguém dentro de casa se desse muito conta, ou quisesse saber.

Eram tempos do meia Roberto Rivelino, que algumas vezes vi, em companhia de outros garotos tricolores, meus vizinhos, treinar, ao lado de craques como Paulo César Caju, Doval, Dirceu, Edinho e do tricampeão mundial Carlos Alberto Torres. Foi esse meu ritual de conversão em torcedor do Flu.

Nada, contudo, que pudesse estragar meu encontro com o Galinho de Quintino, que segue, intacto, para sempre na memória.

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